O Amor

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11 horas e 52 minutos do dia 13 de maio de 2013

- Continuação do depoimento de José Maria Conceição Moraes, solteiro, maior de idade e sem documentos. Eu peço... peço perdão ao senhor pela minha saída repentina e digo que foi por uma boa causa. Uma causa que lhe interessa, aliás. Você não é um oficial, mas creio que eu posso lhe contar: finalmente descobriram o nome do morto, que é... João Dias Barbosa Brandão Freitas.

- É bem parecido com o seu, inspetor.

- Sim, mas acho que seja apenas... coincidência, seu José. E também acharam uma segunda arma na cena do crime, com exatamente uma bala a menos em seu cartucho e um bilhete escrito"e para minha última piada... 2/4".

- Hmm... então isso quer dizer que...

- Quer dizer que você estava certo em especular um assassinato ao invés de um suicídio. Eu sinceramente já estava quase fechando o caso, mas você e esta... esta arma apareceram do nada, então decidi continuar. Eu até convoquei mais alguns homens para te ouvirem, caso eu perca alguma coisa. E então, tem mais alguma coisa para dizer, seu José?

- Ora, é uma honra ver que estão confiando em mim. Na verdade, eu tenho mais algumas coisinhas a dizer, sim, se me permite.

- Claro... vá em frente.

- Enquanto estive aqui, não pude deixar de notar o quadro investigativo que estão usando para este caso. Eu até diria que está um pouco relaxado por existirem só dois suspeitos para este crime mas, coincidentemente, estes são os mesmos dois que eu venho suspeitando. Ou melhor, VINHA suspeitando.

- O quê? Você achou provas de que não são eles?

- Bem... não são provas, exatamente, mas mais algumas filosofias do meu pai que se encaixaram no caso.

- Eu confesso que uma investigação não deveria se basear em filosofias... mas se deu certo uma vez, quem sabe se nós tentarmos de novo?

- Obrigado pela oportunidade, inspetor. A primeira suspeita que eu risquei da minha lista foi justamente a senhorita Sandra Albuquerque Dias Souza, aquela na qual vocês apelidaram de "amante" no seu quadro. Ela é uma suspeita perfeita, pois sua assinatura aparece em todas aquelas cartas derramadas no chão da casa. Eu andei pesquisando sobre ela e descobri que a senhorita Albuquerque tem marido e filhos,  sendo que seu caso com o nosso palhaço foi, de fato, extraconjugal. Graças a isso, consegui deduzir que o assassino não era ela.

- Como? Acha que ela não arriscaria a segurança do marido e dos filhos?

- É, também é uma razão, mas o maior agente da minha conclusão foi a falta de amor que existia entre os dois.

- Como assim, seu José?

- ...Uma vez eu perguntei a meu pai sobre o amor, e ele, frio como sempre, mandou:

"Amor? Há! É a maior tolice de todas! Não dá pra fazer piadas com isso porque... porque... porque o amor é grudento, meloso, chato! Eu vou te dizer o que acontece com quem ama, meu filho: ou você enlouquece por amar demais, ou enlouquece por amar de menos! Há, há, há!"

Eu perguntei sobre o amor que tinha por minha mãe, e ele respondeu:

"Eu tentei amar sua mãe, mas o que ela tinha de bonita, tinha de obcecada. Assim como ele. No fim, o vermelho do meu amor acabou indo pro meu nariz de palhaço, e o vermelho do amor dela... bem... eu não sei onde ela esconde até hoje."

Finalmente, eu perguntei sobre o amor que sentia por mim, e ele disse:

"Você, meu filho? Você é só mais uma das peças que o mundo me pregou! Você e ele! É claro que plateia nunca é demais, mas para alguém como eu, que vivo de sorrisos, ter que resolver a sua tristeza e o medo dele, só pode ter sido alguma piada do universo!" 

Enfim, por este motivo acho que a senhorita Sandra seja inocente. Um palhaço não costuma se envolver amorosamente com alguém, e o fato de serem somente amantes comprova este fato. Não há porque ela ter cometido o crime uma vez que não há porque ela ter enlouquecido de amor pelo palhaço.

- ... Em suas recordações de seu pai, você cita você mesmo e mais alguém... quem é este alguém?

- ... Meu pai se referia a meu irmão quando dizia "ele"... hm, é engraçado você me perguntar isto.

- Por quê?

- Meu irmão sempre quis ser... um inspetor.



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