2.Carta aos que me odeiam.

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Temos algo em comum

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Temos algo em comum.

Sei que você tem seus motivos e que seus motivos possuem nomes.

Quem foi que eu levei?
Seu pai? Irmão? Avós? Cachorro?

Seja quem for, eu não me lembro.

Sinto muito. Eu gostaria que fosse diferente. Que não precisasse fazer isso. Que não precisasse acontecer isso. Mas acontece. O eu acontece e é inevitável.

Devo admitir que toda aquela pintura sobre mim me fascina. A imagem de um ser forte, imponente e maléfico. A foice, a capa, os ossos. Me encantam.

Sinto em decepcionar, mas minha figura é muito mais banal.

Se pudesse me ver, querido odiador, sentiria pena.

Um ser fraco. Cabisbaixo. Olhos cansados.

Pintam-me como acham que eu sou. E acham que sou assim porque eu tenho poder sobre vocês. Mal sabem o quão enganados estão. Estou tão presa quanto vocês. Fadada ao trabalho que ninguém mais quer.

Acredita que sinto prazer em meu trabalho?

Já ouviu falar sobre o fordismo? Vocês humanos criaram uma imagem de um homem sentado frente a uma esteira apertando um parafuso repetidamente, o dia inteiro. A esteira rolando os produtos e o homem fazendo o mesmo trabalho. Apertando o parafuso. Apertando o parafuso. Um novo produto passa e ele aperta o parafuso. Nunca sabendo o que está montando. Nunca sabendo o que há no final da esteira.

Eu me sinto assim.

Ceifando e ceifando.

Nunca fazendo nada de diferente.

Nunca sabendo o que vem depois.

Eu escutei histórias, humano detestador. Sobre as religiões que vocês criam. Eu estive lá para todos os seus santos. E sobre seus deuses, eu nunca os vi, por isso dizem que eles não morrem.

Eu gostaria de saber o que ocorre depois. Dizer a você que seus motivos para me odiar, estão bem. Talvez assim você me odeie menos.

Eu não queria existir. Mas quis o universo que sim.
Tudo bem você me odiar, eu também não sou fã de mim mesma.
É solitário.

Mas se te ajuda a me compreender, eu os levo sem dor. Há respeito entre nós. E eu gostaria de ter o seu respeito também, odiador, pois é certo que iremos nos encontrar. Que dirá o quanto me odiou. O quanto eu o fiz chorar. O quanto eu fui cruel.

Mas esqueces que não era para eu existir. Foram vocês que me provocaram. Bem, é isso o que a religião de vocês conta.

Se por um acaso, sua religião estiver errada, e eu sempre estivesse destinada a existir, saiba que mesmo assim nossa relação seria mais agradável se não fosse por vocês.

Vocês que fazem as guerras. As armas. Os veículos. Que não sabem seus limites e não entendem que são frágeis.

Já compreendeu? Seu ódio por mim é utópico. Você odeia a sua própria raça.

Posso não me lembrar de muitos dos que levei, mas às vezes uma alma me surpreende.

Aquelas que me aceitam. Que amaram a vida mas sabem que precisam vir. Esses eu guardo em um lugar especial.

Não é sempre que meu serviço me permite o prazer de uma boa companhia.

Querido odiador, querendo ou não, eu chego. Às vezes eu bato na porta. Às vezes eu a arrombo. Às vezes eu chego sem ninguém saber. Às vezes sou obrigada a chegar.

Compreenda-me. Eu sei que dói. Que sou sorrateira. Que venho do nada, que vou embora e levo um pedaço seu. Mas compreender-me e aceitar-me tornará as coisas mais fáceis... Para nós dois.

Sinto muito se fiz você chorar, mas eu apenas faço o meu trabalho.

Com carinho,

Com carinho,

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