Capítulo 1

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Acredite quando dizem que sua história não começa a partir do momento em que você nasce. Pelo menos, para Esperança foi assim. Ela não pediu para nascer do sexo feminino, naquela época, naquele ano, naquela família e daquele jeito. Seus pais também não queriam que aquilo chegasse a tal ponto. Mas não houve muito que se fazer. Se para eles doía ver um bebê tão pequeno e já tão carregado de responsabilidades, para Esperança seria muito pior. Essa história começa há muito tempo, em Narcisía, um pequeno país governado por um bondoso rei e por uma amável rainha.

Narcisía era realmente pequena, composta pela Principal: capital do país e onde morava a família real. A cidade ficava localizada em uma montanha e logo embaixo era cercada por pequenas cidadezinhas chamadas de Vilarejo.

O castelo se encontrava bem no centro da Principal e ocupava quase metade do território, por isso era comum que as pessoas dos Vilarejos fossem dotadas da incrível visão do lar dos De Narcisía, sobrenome da família que governava o país.

As portas do castelo se abriam várias vezes ao ano, era comum ver os Representantes Reais da Capital nas ruas da Principal. Os RRC, como eram conhecidos, eram trabalhadores reais que passeavam por Narcisía ouvindo o que o povo tinha a dizer: críticas, elogios, sugestões e necessidades. Eles eram a maior conexão entre a família real e o seu povo.

Como raramente o rei ou a rainha conseguiam ir aos Vilarejos, cada Vilarejo também possuía um representante, conhecidos como representante do vilarejo, que lhes passavam as principais questões. E a família real também enviava os da Capital para averiguar a situação de cada lugar. E, pelo menos uma vez ao ano, o rei visitava pessoalmente cada uma das oito cidadezinhas.

Era muito comu m ver as pessoas desses vilarejos na Principal, o que não era tão comum era o contrário acontecer. Em Narcisía, existiam sim diferenças sociais. Alguns mais ricos que outros, porém, cada indivíduo daquele reino tinha alimento, teto, educação e segurança. Era um país muito bondoso, assim como seus governantes, e de uma cultura extremamente forte. Começando pelas suas tradições. Em Narcisía, cada pessoa era dotada de um nome que representasse sua característica mais forte. Os pais possuíam uma intuição que sabiam exatamente, ao olhar nos olhos de seus bebês ao nascer, qual seria seu principal atributo. Por isso que o nome era de uma palavra simbólica ou literal. Muitas vezes, os responsáveis colocavam nomes de algo que esperassem que seu filho possuísse também.

O nome do rei era Justo Oitavo. Oitavo porque era o oitavo rei de Narcisía, Justo, porque era, sem dúvida, o homem mais justo que o país já conhecera. Ele fazia de tudo pelo seu povo, dava a sua vida se fosse preciso, ou então, uma vida que nem lhe pertenceria. Seu físico fazia jus ao nome. Alto, atlético, pele negra e cabelos pretos. Seus grandes olhos castanhos viam tudo e seu sorriso raramente aparecia por conta do trabalho, porém, quando estava se relacionando com seu povo, sempre iluminava toda a Principal e os Vilarejos.

A rainha se chamava Amada e ela realmente era amada por todos. Talvez fosse pelo seu jeito carinhoso e delicado, pelo sorriso terno que sempre levava consigo, pelo seu tom ameno e pelos olhares gentis. Sua pele era branca como o leite e seus cabelos eram loiros platinados, seus olhos azuis exalavam ternura e sua boca estava sempre com um batom rosa claro. Suas bochechas naturalmente rosadas a faziam ficar mais bonita ainda. Os reis se conheceram na festa de apresentação oficial do rei Justo. Haviam três grandes realizações da família real:

A primeira apresentação do bebê real aos sete meses. Era sempre um dia de grande festa para todo o reino. Havia uma grande cerimônia em que algum membro da realeza abençoava a criança e apresentava seu nome oficialmente. Depois, os portões ficavam abertos por três dias, assim, quem quisesse conhecer melhor o principezinho ou a princesinha, podia enfrentar a longa fila para falar com o bebê, já que todos queriam tocar, brincar e falar com o mais novo cidadão real. A segunda era a festa de apresentação oficial do príncipe ou princesa aos seus dezesseis anos. Esta era uma cerimônia pública em que se entrega um símbolo real e havia um discurso do presenteado. Depois, havia uma grande festa de rua de dois dias de duração. Em seguida, as portas do castelo se abriam por três dias, para quem quisesse falar com o ou a oficial príncipe ou princesa de Narcisía. Com o término desta festa, uma semana depois, era a apresentação para os países vizinhos. Neste iam as famílias reais dos países com quem Narcisía tinha relação e outros países nem tão próximos eram chamados por pura cordialidade, como Infanía, conhecido por seus reis autoritários e um povo sofrido. Era complicado lidar com autoridades assim, ainda mais que eles sempre estavam querendo mais territórios. Neste baile, também iam as famílias dos Representantes dos Vilarejos e da Capital.

Amada era filha de um representante de um Vilarejo e Justo contava que eles até dançaram naquela noite, porém, só se apaixonou por ela muito tempo depois. A coroação era a terceira realização da família real: o dia em que surgia o novo rei ou a nova rainha. A festa era basicamente a mesma que a apresentação oficial. Uma cerimônia, uma grande festa, que dessa vez durava uma semana, depois as portas do palácio eram abertas por mais uma semana, e por último havia uma festa para os representantes e outras famílias reais.

Narcisía era um reino que acreditava em amor, por isso, não houve problemas em Justo se casar Amada, mesmo ela não tendo "sangue real". Oitavo, na realidade, era filho adotado de um casal de dois homens. Quando os reis, pais de Justo, morreram em um acidente de navio, foi uma tristeza sem fim. No entanto, pouco a pouco Justo e Amada conseguiram se reerguer e reerguer Narcisía do luto da morte inesperada.

Os pais de Oitavo foram muito amados por seu povo e ficaram felizes ao ver seu filho se casar com uma pessoa tão boa e se tornar um homem tão bom e justo, como imaginavam que seria. Infelizmente, não conseguiram ver o nascimento de seus dois netos, mas o legado que deixaram em Narcisía fora o suficiente para fazer que o novo príncipe e a nova princesa se sentissem orgulhosos e amados.

Um fato engraçado sobre o país era seu formato circular. Havia a Principal no centro e os oito Vilarejos ficavam em volta dela formando um círculo. A geografia do país devia ter influenciado na dança, que na maioria das vezes era em roda ou sempre tinha giros.

A reverência aos reis também era bem peculiar. Quando era particular, as mulheres flexionavam a perna direita e cruzavam a esquerda pra trás, abaixando lentamente a cabeça e segurando delicadamente suas vestimentas ou abrindo levemente os braços. Os homens simplesmente colocavam uma mão na barriga, outra nas costas e inclinavam o tronco para frente. Todavia, quando era grupal, como nas cerimônias, alguém no meio da multidão gritava: "Vida longa à..." e então, todos saltavam e gritavam "viva!". As pessoas pulavam forte, pulavam para o chão tremer e demonstrar a alegria que era fazer parte de Narcisía, fazer parte daquele lugar, daquela história. As pessoas pulavam de orgulho e quanto mais o chão tremia, mais felizes e orgulhosos se sentiam. Porém, nem tudo eram flores... Rei Justo Oitavo se casou aos 20 e se tornou rei aos 25 anos. Mesmo antes de seus pais morrerem, ele já via a preocupação e tensão nos ares do enorme castelo. O país vizinho, Infanía, estava crescendo e conquistando territórios. Fazendo guerra com países menores e sabia que logo chegaria à vez de Narcisía.

Amada e Oitavo tinham a mesma idade, um ano depois de estarem no comando do país, a rainha engravidou e teve um lindo garoto e lhe botaram o nome de Nobre, pois, ao olharem o pequeno bebê cuja pele era uma rica mistura das tonalidades da sua mãe e de seu pai, e com aqueles brilhantes olhos azuis e cabelo escuro, tiveram a certeza que teria um coração nobre, que seria fiel ao seu povo e ajudaria no que fosse preciso. Eles perceberam o sangue real naquele pequeno ser tão frágil, que nascera em um ambiente, que outrora fora de paz, porém, naquele momento era de incerteza. E os reis acreditavam que a nobreza de seu primeiro filho levaria a Narcisía a ser o que era antes, ou então, a ser melhor ainda.

A Garota dos Olhos Violeta - M.F. CampbellWhere stories live. Discover now