Gula
"Desejo insaciável por comida ou bebida. Também está relacionada com o egoísmo humano: querer adquirir sempre mais e mais, não se contentando com o que já tem, uma forma de cobiça"O gerente quase salta de alegria depois de desligar o telefone. Imediatamente corre para a cozinha contar a boa notícia para os funcionários e já começa a se organizar. Apesar do bom dinheiro que vão ganhar, precisarão se esforçar. Uma reserva para vinte pessoas, hoje será um dia de faturar bastante! Além é claro, de ganharem um extra pela pequena surpresa: Irão se encarregar de esconder um anel de noivado em uma das sobremesas. As cozinheiras ficaram animadas com o romantismo.
Enquanto os empregados do restaurante passam a tarde cozinhando e preparando tudo, Clara e Pedro estão tendo uma discussão daquelas. O rapaz queria apenas fazer da noite algo memorável, então chamou todos os amigos do casal para comerem fora e ele finalmente fazer o pedido do casamento. Mas a futura noiva, sem saber desse último detalhe, não gostou nada de descobrir que o aniversário de namoro dos dois seria comemorado com mais outras 18 pessoas. Ela queria privacidade e ele queria explanar para todos os amigos o amor dos dois.
Coitados, ambos com vários planos para essa noite, mas ela será bem diferente do que os dois esperam. Será memorável, mas de uma forma não tão boa.
O casal chega no restaurante e são muito bem recepcionados. E no meio do jantar Clara teve que concordar que foi uma ideia muito boa o Pedro ter chamado os amigos. Estava uma noite muito divertida e há tempos não via todos reunidos de uma vez só. Com o fim da faculdade e por terem que encarar a vida adulta de trabalho e tudo mais, as saídas se resumiam em sair com Pedro ou com uma ou outra amiga. Não todos juntos. A noite estava ótima e o Pedro também sentia isso.
Quando todos já tinham se empanturrado com toda a comida, Pedro deu a deixa para o gerente se aproximar. Como combinado, ele fez um sinal aos garçons que trouxeram os cupcakes e quando todos receberam, disse ser cortesia da casa. Todos ficaram feliz, afinal, ninguém recusa sobremesa grátis. Entretanto, um dos convidados ficou feliz até demais; esse foi o George. Ele desde pequeno tem uma relação muito boa com a comida, ama todas de todos os tipos. E comida grátis então, a sua favorita. Após uma bocada no bolinho, ele se foi inteiro.
Mas George não ficou satisfeito. Ele queria mais.
Quando viu que o Pedro estava ocupado conversando com a Clara, sorrateiramente puxou o seu bolinho e comeu. Estava uma delícia. Ele não se contentando, puxou dessa vez o bolinho da Clara, mas no mesmo instante a garota virou, e para que ela não descobrisse o que ele tinha feito, enfiou e engoliu o cupcake de uma vez, rapidamente. O que George não esperava era que dentro do bonito e gostoso cupcake houvesse um anel de noivado.
Nos dez segundos que se sucederam, várias coisas ocorreram: Pedro ficou chocado e sem reação por perceber que o cupcake que George comera era o que continha o anel; O gerente começou a pensar no quanto de trabalho tiveram, para no final toda a surpresa ser estragada; Clara não entendera nada, apenas estranhou a cara de espanto e decepção de Pedro e quando olhou para George se assustou, pois o menino estava ficando roxo. Sua coloração de pele atingiu todos os tipos de vermelho e roxo. Quando todos começaram a entender o que estava ocorrendo, George já estava caído no chão, com os olhos arregalados e tentando tossir o anel, mas o movimento estava sendo em vão. O dito cujo se instalou perfeitamente na traqueia obstruindo toda a passagem de ar. E apesar do que todos esperavam, não havia nenhum médico no restaurante que pudesse atendê-lo, como ocorre nos filmes. Até chamaram a ambulância, mas foi tarde demais. No fim dessa noite ao invés de celebrar um futuro casamento, os amigos presentes foram obrigados a celebrar um futuro funeral. George morreu, antes mesmo da ambulância chegar.
Fim da história.
- O que? Mas papai, não, esse não pode ser o final – Isabela, com seus dez anos, faz a cara mais indignada que consegue – Tinha que ter alguma moral no final. Ele não pode simplesmente morrer. Que história horrível.
- Ué Filha, eu li o que está aqui escrito no livro. Não tem mais nada, esse foi o fim. – Ele diz mostrando o pequeno livrinho para ela - Mas, se quiser, você pode dar continuidade para a história, ou escrever uma moral.
- Mas... eu não sei escrever. Não consigo
- Claro que consegue querida, você é muito inteligente- O pai diz dando um beijinho em sua testa e ajeitando a coberta sobre seu pequeno corpo- Mas isso fica para amanhã, agora está tarde e você precisa dormir.
A menina assente, um pouco inconformada, já que detestou a história ter terminado desse jeito.
- Boa noite meu anjo, durma bem – Ele diz e fecha a porta do quarto. Cansado pelo dia exaustivo na empresa, vai direto para o seu quarto e depois de um banho relaxante, cai na cama e apaga.
João sente pequenas mãozinhas o cutucando e quando abre os olhos se assusta com Isabela o encarando.
- Filha, que susto! - Ele diz se levantando e sentando na cama- Venha aqui- ele aponta para seu lado na cama e ela se senta - O que houve?
- Eu consegui, pensei em um final para a história
- E qual seria?
- O George não morre. Ele quase morre, mas a ambulância chega e consegue salvá-lo. Ou algum dos amigos presentes fez um curso de primeiros socorros há algum tempo e conseguiu desengasgá-lo.
- Ah isso é bem legal filha, gostei
- Calma papai, tem mais. Aí depois, o George demora um tempinho no hospital, mas aprende a lição. Ele deixa de ser guloso, porque viu que isso é uma coisa ruim, a Gula é um pecado que faz mal, então ele passa a controlar mais o que come, tenta ter mais temperança. Já o casal, a Clara e o Pedro, noivam no mesmo dia. Depois do susto, o Pedro usou um barbante mesmo e pediu a mão da Clara, que aceitou e ficou toda emocionada. O pessoal do restaurante até ficou feliz por apesar de tudo, no final dar certo. Mas nunca mais aceitaram participar de pedidos de casamento, ficaram traumatizados. E agora sim Fim- a menina termina de contar com um sorriso no rosto. Feliz por ter pensado em tudo sozinha.
- Filha, tenho que te dar os parabéns. Foi um ótimo final, melhor que o da história. Eu não disse que você era inteligente?
João fica orgulhoso pela sua filha, mas quem dera que na vida real tudo acabasse com um final feliz assim. Isso só acontece em livros e filmes, ele pensa olhando para sua pequenina e imaginando sua falecida esposa. São tão parecidas, as mulheres mais bonitas e inteligentes que conheceu na vida. Queria ele que pudesse reescrever a história de suas vidas e fazer um final em que a esposa não morresse. Seria um final maravilhoso, mas não pode fazê-lo.
Uma pena
![](https://img.wattpad.com/cover/171024707-288-k249766.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Os pecadores
Short StorySegundo a Literatura, os sete pecados capitais atualmente tratam-se de vícios humanos. Dentre eles temos: Luxúria, Gula, Inveja, Preguiça, Soberba, Ira e Avareza. Nessa coleção de contos abordarei cada um desses de uma forma bem interessante. Teremo...