Chocolate Shop

I

A GUERRA DOS CHOCOLATES

Eu nunca aceitei duas coisas em minha vida: chocolate com gordura hidrogenada e desaforo. Foi pensando nisso que caminhei com a coluna reta e uma colher de pau na mão até o homem que destratou meu funcionário. Só eu tinha o direito de destratar Kwan. O dia estava corrido, uma fila de espera enorme se estendia na porta da La Délicatesse e era preciso renovar o estoque de matérias primas duas vezes por dia, porque a semana do Natal se aproximava e as pessoas queriam consumir o meu chocolate. Mesmo assim, com toda aquela loucura, eu precisava suspender as minhas obrigações porque um não-cliente esnobe exigia uma reunião com a chef. Tudo se esclareceu quando vi Kim Namjoon escorado no balcão de pedidos brincando com a decoração natalina e observando o ambiente com desdém. O que eu tinha contra Kim Namjoon? Nada, ele era apenas o dono da Sweets, a maior e mais tradicional loja de chocolates da Coreia do Sul, que － no caso － ficava do outro lado da rua .

Antes de qualquer palavra Namjoon me analisou de cima a baixo se demorando um bocado na minha dólmã¹, uma vez branca, manchada de chocolate e em meus cabelos para fora do toque blanche², provando que ele era um esnobe com camisa social branca e sapatos italianos. E dessa vez ele parecia mais esnobe e mal-humorado do que em nossos encontros anteriores nada pacíficos. Eu também estava mais esnobe e mal-humorada do que na última vez, esnobe porque a minha loja ia muito bem, obrigada e mal-humorada porque ele estava bem na minha frente, empatando meu serviço depois de fazer Kwan chorar e se esconder embaixo do balcão da cozinha.

－ Você tem algum motivo especial para amedrontar meus funcionários, Kim Namjoon? －perguntei espalmando a mão no balcão e me aproveitando dos centímetros a mais que o toque blanche proporcionava.

－ Eu só quero entender o porquê de você ter dado chocolates ao meu avô － ele, além de esnobe, parecia cansado e prestes a cometer um homicídio, no caso, o meu homicído － Eu sei que você acha essa competição entre as lojas interessante, mas aquela pocaria quase o matou, ele é diabético, Myung Hee.

Fiz um momento de silêncio para processar as informações que Namjoon passou em seu coreano acelerado. Primeiro ele me acusou de tentativa de homicídio. Segundo: ele estava gritando comigo dentro da minha loja enquanto ofendia o meu chocolate. Eu estava prestes a agredir um chaebol no salão da minha preciosa doceria.

－Eu fui apenas gentil, ele queria atravessar a rua e eu ajudei － respondi com um sorriso falso e pedi para que ele chegasse mais perto - eu não sou obrigada a saber que seu avô tem diabetes, ele aceitou o doce com uma cara muito feliz - completei entredentes quando ele se curvou sobre o balcão. Eu não queria causar um escândalo no meio da Délicatesse, infelizmente Kim Namjoon não desejava o mesmo.

- Senhores - Namjoon reverenciou uma senhorinha enrugada que escolhia uma cesta de chocolates a sua frente - senhorita, - falou sorridente para a idosa que se derreteu em um sorriso gengival - esta mulher - apontou para mim elevando a sua voz grave - tentou matar o meu avozinho a sangue frio, ela deu chocolates para o meu pobre avô diabético para eliminar a concorrência, tentou assassinar Kim Hyun Jae, o fundador da Sweets, a doceria que fica do outro lado da rua. - a idosa que segurava a cesta devolveu o produto para a prateleira e alguns clientes do balcão pediram a conta - Vocês querem realmente consumir os produtos dessa mulher, que brinca com a vida de um velho homem com tanta facilidade?

A loja foi esvaziando aos poucos enquanto um sorriso vitorioso brotava nos lábios grossos de Kim Namjoon. Eu choraria de tristeza se não estivesse ardendo de raiva.

- Você realmente precisa disso, vir até aqui e espantar a minha clientela? - os olhos de Namjoon suavizaram quando ele voltou a me encarar - você tem alguma ideia do quão difícil é conseguir prestígio por aqui e quão fácil é perdê-lo? Acho que não, você nunca precisou começar nada na vida, não é?