O Dia da Caçada

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Eram seis da manhã quando Hannes saiu de sua cabana nas margens de Alta Montanha para uma caçada. Ele havia pegado seu arco e um saco de couro para carregar seu alvo. No bolso interno, escondidas em sua jaqueta de pele de urso, estavam sua faca de caça e mais duas facas de arremesso. Ele colocou o arco atravessado em seu corpo e, na ponta, pendurou o saco, deixando ambos pender às suas costas. Não era um caçador comum — era um homem alto, corpulento, de barbas longas e pontudas, belo e bem-afeiçoado. Tinha mãos grandes e grossas, cheias de calos do trabalho de uma vida inteira. A barba e os cabelos eram mal cortados, intensificando o aspecto de homem rústico, mas, apesar da aparência e roupas de caçador, era gentil à sua maneira.

Calçou suas botas na varanda e partiu. Tomou a trilha habitual que levava ao centro da Floresta Tiro Certo. Nela morava o roteiro de muitas lendas e perigos, mas Hannes, que era um homem experiente, não se deixava enganar pelas histórias contadas pelos aldeões, pois havia muito tempo caçava naquela região e jamais vira nada suspeito. Naquele dia, sua presa o levou até perto de uma das nascentes do Rio Joia Negra, onde as árvores eram mais escassas e as trilhas eram maiores. Ao chegar, ouviu sons vindos da parte sul do lugar. Utilizando as árvores como proteção e posicionando os pés com grande cautela, ele seguiu por uma trilha lateral que levava na direção do ocorrido. Seguindo o som, pôde ver ao longe um vulto correndo desesperadamente de algo que ele não via — parecia estar correndo de fantasmas. Hannes esperou o som cessar para ir investigar, se aproximando da forma sorrateira que só um caçador sabe fazer. Esgueirando-se por trás de uma árvore, ele examinou o local onde viu o vulto passar e lá encontrou uma pessoa quase inconsciente caída no chão, segurando com firmeza um colar e mostrando indícios de ferimentos graves.

O caçador se aproximou devagar checando a área em volta, certificando-se de que não havia mais nenhum inimigo ou perigo. Chegando-se mais para perto do que agora ele podia constatar ser um jovem rapaz, soltou suas ferramentas e tentou reanimá-lo.

— Ei! Você! Está tudo bem? — perguntou e não houve resposta. — Qual seu nome? De onde você veio?

— A-aron — o jovem respondeu com a voz fraca.

E essa foi a única coisa que conseguiu tirar do estranho à sua frente. Ele ainda tentou acordá-lo agitando seus braços, mas foi ineficaz. O jovem havia perdido a consciência.

O colar que o rapaz segurava continha uma pedra de um roxo profundo que estava presa por fios de couro trançados. A pedra era tão bonita que Hannes precisou de uma extrema força mental e concentração para desviar o olhar dela. Ele a pegou e a guardou no bolso externo de sua jaqueta e se preparou para tomar as providências necessárias para aquele acontecimento — afinal, já não era mais um bom dia para caçadas.

Ele o examinou e viu ferimentos leves, porém existiam outros mais graves. Assim, juntou alguns galhos para fazer a imobilização no braço esquerdo e perna direita de Aaron, tirou a atadura de uma bolsa menor atada ao seu cinto e começou a fazer os procedimentos no rapaz. Feitos os curativos, teve cuidado ao transportá-lo para sua cabana. Colocou-o em suas costas e com muito esforço o levou até a vila. O jovem era alto e pesado mesmo para um homem forte e resistente como Hannes.

Ao entrar na vila, ouviu o burburinho das pessoas que viam que ele não carregava um veado, mas sim um corpo de um homem muito machucado e desacordado. Sua vizinha e amiga de muitos anos, Bartan, que estava próximo à entrada da floresta, visitando um de seus pacientes, imediatamente foi ajudar a carregar o rapaz. Mesmo sem saber o que havia acontecido, ela se pôs a cuidar dele. A curandeira era uma mulher muito boa e famosa por suas habilidades na vila, então sabia que sua ajuda seria necessária antes mesmo do caçador pedi-la. Após um exame rápido, ela correu em sua cabana para pegar algumas ervas e pastas que usava em suas curas, e se pôs a limpar as feridas do jovem. Com calma e paciência, Hannes contou tudo o que havia acontecido na floresta; os dois eram antigos naquela região e nunca tinham ouvido falar de algo parecido nem presenciado um fato assim. Ela terminou seu trabalho e pediu permissão ao amigo para usar a cozinha e foi preparar um chá. O aroma de camomila encheu a cabana do caçador e aliviou a tensão e mistério que pairava ali.

Caminho das Fadas - Livro I [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora