Roxo e seu outono

46 5 0
                                    

Prometo sentir a chuva,

e a usar todas as vezes para meus sentimentos

principalmente para os ruins

até o último dia de outono.

 Ela disse, para sua cor.



"Odeio mentir, odeio as pessoas que mentem.

Odeio a mim mesmo, bem mais do que odeio você."


Era isso que eu repetia mentalmente, enquanto subia a cada degrau correndo, sem fôlego. Eu era uma sem educação por estar empurrando todos que estavam no meu caminho, uma mentirosa por mentir, uma hipócrita por mentir para quem mentiu para mim, quando odiava pessoas que mentiam. Eu era alguém que não deveria estar viva, mas não tinha coragem de se matar, perder seu mísero lugar no mundo, mesmo com todos esses fatores.

Abri com força a porta para o terraço, sentindo a chuva sobre mim sem piedade.

— Por que a dor da perda é assim?! — gritei, com esse peso horrível na alma.

Subi no parapeito, cada gota parecia uma faca coberta de verdades.

— Eu te odeio, te odeio mais do que a falsa esperança que me deu!


~°~

Memórias.

2017

— Por que está sozinha nessa árvore?

Olhei para baixo, uma garota me olhava, confusa. Pelo uniforme estávamos na mesma série, pensei em dar uma resposta boba e óbvia, como um "porque eu quero", então respirei fundo, soltando algo além, uma verdade.

— Por que aqui é o único lugar que fico longe de pessoas mentirosas.

— O que? — Pareceu não ouvir.

Decidi a ignorar, logo iria embora e continuaria em seu caminho pelos corredores, e eu em meus pensamentos. A árvore balançou, olhei novamente para baixo, ela tentava subir.

— Você vai cair!

— Não, não irei cair! — gritou, seu olhar parecia cheio de determinação, podia ver suas unhas roídas forçando no tronco, apoiando seus pés onde conseguia.

Não sabia o que exatamente dizer ou fazer, era uma desconhecida, nada além disso, assim como eu também era para ela. Estava chegando, errou o pé e ia cair, segurei seu pulso por impulso e agarrei o galho, segurando o mais firme que conseguia para aguentar nosso peso.

— Você disse que não iria cair, sua mentirosa.

— E você disse que eu iria cair, também mentiu — disse, rindo.

A puxei com força até ela alcançar o galho, se sentando ao meu lado. Estávamos ofegantes, nunca pensei que usaria mais esforço puxando uma desconhecida para se sentar comigo em um galho do que subindo eu mesma.

— Humanos são assim — falou. — Todos mentimos, seja mentindo a realidade ou ocultando ela, ninguém é perfeito, nem você mesma. Pode fugir das pessoas, mas nunca conseguirá fugir de si mesma. — Balançava os pés, olhando a vista do pátio.

— Por que quis subir aqui?

— Porque eu gosto de mentirosos. — Sorriu. — Humanos são mentirosos, e eu gosto deles, sendo assim nenhum deles merece ficar sozinho. — Ouvimos um trovão, olhamos ao mesmo tempo para o céu, as nuvens carregadas chegavam rapidamente. — Opa, parece que vai chover, temos que ir, é perigoso.

Cores e estaçõesOnde histórias criam vida. Descubra agora