Capítulo 4 (Cecília)

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Enquanto o motorista particular do meu chefe me levava para o aeroporto, eu pensava em tudo que ocorrera nos dois dias que precederam o da viagem. Era como um turbilhão de sentimentos e problemas.

No dia seguinte ao dos e-mails, liguei para minha tia para avisá-la que eu voltaria para a Romênia e, obviamente, ela ficou uma fera. O que começara com uma conversa para saber como eu estava terminou aos sermões e gritos de como ela não queria perder a sobrinha da mesma forma que perdera a irmã.

Suspirei, dizendo que eu ia ficar bem, mas a dona Márcia não caiu nessa. Ela dizia que seu instinto materno falava que eu estava indo em direção a morte. Depois dessa, fui obrigada a cortar a conversa, falei que tinha que atender outra pessoa e desliguei. Ela acabou por ligar mais duas vezes nesse dia, e quando viu que eu não atendia, me mandou uma mensagem avisando que ia orar por mim.

Sorri, essa era a forma da minha tia dizer que eu poderia ir, mesmo que eu não tenha pedido permissão. Ela sempre orava por mim, e a fé e carinho que tinha por mim aquecia meu coração. Era bom ter uma pessoa que te ama, afinal de contas. Mesmo que ela ache que você morreria com qualquer coisa ao seu redor.

Olhei pela janela do carro, os prédios passaram como borrões lá fora. Uma rajada de vento fez com que meu cabelo batesse na minha cara. Por conta disso, fechei o vidro e puxei o meu casaco para me cobrir melhor.

Hoje não tinha Sol, mas já era de se esperar. Em São Paulo quase sempre era cinza. Céu cinza, prédios cinzas. Uma das únicas coisas que coloria a cidade eram os graffitis, porém, alguns deles tinham sido apagados, o que contribuía para apagar um pouco mais da vida da cidade. Eu já tinha me aventurado nas artes nos muros, muitos anos atrás com alguns colegas do Ensino Médio. Grafitamos toda a extensão dos muros da escola que estudávamos, sorri ao lembrar de tal fato. Mas agora eram outros tempos, já fazia alguns anos que eu não mexia com arte, infelizmente, esse era um sonho que eu tive que desistir.

De uma hora para a outra, o carro parou, fazendo com que eu voltasse à realidade. Já estávamos no estacionamento do aeroporto. Rapidamente saí do carro. O motorista foi ao meu encontro e me ajudou a pegar minhas bagagens no porta-malas, balbuciei um "obrigada" antes dele voltar para o carro e começar a dirigir de volta para a empresa.

— Agora é cada um por si - murmurei para mim mesma, enquanto me dirigia para o terminal do aeroporto.

.......................

Eu não gostava de voar de avião. Sempre tive medo de altura, era como se meu coração parasse de bater assim que eu saísse de qualquer superfície plana. Por conta disso, fechei os olhos durante quase toda a viagem. Acho que acabei dormindo.

Tive um sonho estranho. Isso geralmente acontecia quando eu dormia em lugares que não estava acostumada. No sonho, eu olhava pela janela de uma Torre, como se eu fosse a Rapunzel, isso, com certeza, explicaria o vestido que eu usava. Ao analisá-lo, percebi que era vermelho, como o da Branca de Neve, acho. Tudo bem, agora eu estava em um crossover de contos de fadas, isso era bem estranho, até mesmo para mim.

Passei a mão sobre a saia rodada e comprida dele, e me assustei ao perceber que ele estava molhado, rapidamente voltei a palma da mão para poder visualizar o conteúdo meio viscoso que agora estava grudado nela, e fiquei surpresa ao constatar que era sangue. Foi aí que eu entendi o motivo do vestido ser daquela cor. Tentei gritar, mas não saía som nenhum da minha garganta.

Olhei ao redor, à procura de ajuda, e finalmente percebi que estava em um quarto cheio de arabescos e móveis antigos, e a pior parte, eu não estava sozinha. Na cama de mogno atrás de mim, havia um homem sentado, que me encarava com seus olhos da cor do oceano.

Ele parecia me olhar com ternura, mas isso acabou ficando em segundo plano, já que seu rosto estava inteiramente sujo de sangue. Naquele momento, eu encontrei a voz que eu tanto procurara antes. Eu gritei, acordando logo em seguida. Eu estava ofegante, e senti o suor frio escorrer pelo meu rosto.

Durante o restante do voo, fiquei acordada. Não conseguia mais dormir, mas acima de tudo, não pude tirar aquele homem da minha cabeça. A imagem de seus olhos azuis estava fixa em minha mente, e eu poderia jurar que eu já havia visto eles antes.

Passado Esquecido (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora