Para bom entendedor, meia palavra basta

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  - ...I've got all my life to live, and I've got all my love to give and I'll survive, I will survive, hey, hey... 

Antes de hoje, considerava essa música um patrimônio artístico e ícone mundial. Agora, apenas um misto de batidas e vozes distorcidas que, ao invés de incitar meu corpo a dança, potenciavam minha dor de cabeça. Já não sabia se eram as luzes do local ou um efeito colateral da dor, mas minha visão mudava de cor a cada piscada, com vultos disformes preenchendo minha vista já debilitada. Os graves do refrão remixado certamente estavam causando danos irreversíveis a minha caixa craniana.

 - Mê, você arrasou. Essa tá sendo a melhor festa do ano! - Creio que a figura loira a me cumprimentar fora uma das outras madrinhas, mas na minha atual condição não conseguia distinguir. Acenei agradecendo, mas me arrependi de imediato quando a onda de enjôo me fez cambalear e quase derramar a bebida anteriormente colorida que segurava. 

Indiferentes a minha situação, esquivei das pessoas que dançavam despreocupadamente na pista, vez ou outra me utilizando de ombros aleatórios para evitar uma eventual queda. Aos tropeços, consegui atravessar o Lounge e chegar até o bar. Depositei o copo na bancada de mogno, a bebida já transparente devido ao gelo derretido e ao tempo intocada. Praguejei em três línguas diferentes enquanto destaca as tiras dos meia-patas dourados que usava, aproveitando para massagear meus pés também doloridos. 

- Parece que Sexo não é sua praia. - Me ergui a fim de encarar quem ousava perturbar meu ínfimo momento de relaxamento. Encarei a figura sentada na única cadeira vazia ao meu lado. 

Mesmo sentado, era visivelmente alto. A camisa social branca, dobrada até os cotovelos e com os primeiros botões abertos estava amassada; mas ressaltava seu físico. Apesar de não ser musculoso, possuía ombros largos, que faziam conjunto perfeito com um maxilar quadrangular. Possuía olhos amendoados, da mesma cor das ondas rebeldes que se extendiam até seu colarinho, que aberto exibia sua pele bronzeada. Não sei quem ele é, e eu conheço todo mundo aqui. 

- Tipo seu drink, Sex On The Beach...Parece que você não bebeu... Sexo...Praia... - Ele interpretou minha expressão inquisitiva como não entendimento da "piada". - Quer saber, deixa 'pra lá. - Ele largou seu próprio copo na mesa, deitando a cabeça sobre os braços em sinal de derrota. - Minhas piadas costumam ser melhores. 

- Espero que suas cantadas também. - Ainda deitado, sorriu abertamente, exibindo dentes dignos de uma propaganda de enxaguante bucal. De onde esse cara surgiu?

 - Essas ainda estão em processo de desenvolvimento. Prazer, Benjamin. Mas você pode me chamar de Ben. - Retomou sua postura anterior, me estendendo a mão. Se minha enxaqueca não tivesse atacada, certamente lhe teria dado mais do que apenas minha mão para apertar. 

- Aimê, mas como eu não te conheço, pode me chamar assim mesmo. - Seu sorriso se alargou ainda mais, seguido por um olhar de surpresa momentânea. 

- Aimê a madrinha? Melhor amiga do Alex? - Seu conhecimento acerca do noivo impeliu minha teoria de uma entrada furtiva na festa. - Sou primo dele,um dos padrinhos.

Estreitei meus olhos em sua direção, forçando minha memória para a lista de convidados da noite que fizera junto de Alex algumas semanas antes. "Quem é esse?" "Meu primo bonitão que eu te falei" "O padrinho fantasma? Achava que ele só vinha 'pro casamento" "Ele conseguiu adiantar o voo, então vai vir 'pra despedida também. Aproveita e tira uma casquinha" 

- Ah, claro. Tinha esquecido. - Por hábito, bati na testa ao trazer a tona a memória. Resultando em uma careta desgostosa e um grunhido de dor. 

Happy New Year!Where stories live. Discover now