Eu esperava ser o tipo de jovem que diz que, depois de entrar na faculdade, tudo melhorou, porém, o final do ensino médio apenas me mostrava o contrário.
Eu morava com minha mãe e meu avô, e, por mais irônico que pareça, era daquele senhor de setenta e sete anos que eu recebia apoio, fosse para meus sonhos ou dramas amorosos. Ele e Carlos Eduardo, meu melhor amigo, eram as únicas pessoas que realmente me conheciam.
Passei os últimos três meses dividindo meu tempo entre os estudos, convencer a minha mãe de que meu sonho era cursar cinema, e não direito, e ligações com Cadu, que, sendo um ano mais velho, cursava Artes Visuais em uma das cidades do litoral.
Ele tinha um jeito mágico e liberto de enxergar o mundo, sempre me contando trilhões de histórias que, se eu não o conhecesse tão bem, duvidaria que fossem reais. Com novos amigos e festas todos os finais de semana, eu invejava sua nova vida e me permitia sonhar quando, de madrugada, planejávamos dividir seu apartamento.
A única pessoa que parecia não concordar com os meus planos era Dona Lima, que havia me castigado com um silêncio cruel desde que me assumi gay um dia antes de viajar para a cidade em que meu melhor amigo, a faculdade e a praia me esperavam.
Eu repassava a discussão com a minha mãe em meus pensamentos enquanto esperava que Carlos Eduardo finalmente me liberasse para tomar um banho após ter concordado com a ideia impulsiva de pintar meu cabelo de azul.
— Por que não pintar? Eu não comprei três tons diferentes de azul pra você ficar de palhaçada. — ele havia argumentado minutos antes.
Sei que estava tentando me animar desde que me viu sair do ônibus na rodoviária, fosse com filmes românticos ou com piadas sem graça, mas era inevitável idealizar uma vida em que o oposto acontecia, onde minha mãe pudesse me aceitar.
Eu já estava começando a ficar impaciente, sentado desconfortavelmente na cadeira da cozinha, cuidando para que não acabasse encostando em algo e colorindo a casa inteira. Cadu assistia meu sofrimento do sofá da sala, provavelmente postando fotos minhas em seu Instagram.
Nossas aulas começariam no dia seguinte e, com a minha saída trágica de casa, a ansiedade positiva não era o sentimento que predominava no momento.
— Daqui cinco minutos, você vai tomar banho e se arrumar, que vamos em um rolê para aproveitar nosso último dia de liberdade. — ele informou, se levantando do sofá. — E, antes que você diga qualquer coisa, você vai, sim!
Ele deu ênfase na última palavra e sumiu pelo corredor, me deixando sozinho com o barulho do chuveiro que havia acabado de ligar e um funk que era reproduzido por seu celular.
Eu não sabia se me sentia feliz por finalmente poder tomar um banho e lavar o cabelo ou se buscava por desculpas para poder ficar em casa, embora soubesse que Carlos jamais me deixaria sozinho sabendo do meu estado. Também precisava reconhecer que meu melhor amigo estava fazendo muito por mim nos últimos dias e eu até que poderia fazer um esforço para tentar deixar a tristeza de lado e aproveitar que meu sonho estava se tornando realidade.
Com meu pensamento positivo, levantei e segui em direção ao banheiro, que ficava em frente a porta do meu quarto, ainda bagunçado pela mudança recente e minha falta de disposição.
Tirei uma foto e a enviei para o meu avô antes de entrar no box e assistir a coloração azul que a água ganhava após passar por meus fios, antes castanhos.
Com a toalha enrolada na cintura, sequei meu cabelo com o jato quente do secador, realçando o tom azul puxado para o roxo. Com as roupas na mala, custei para achar uma camiseta que não estivesse amarrotada, acabando por escolher uma listrada no preto e branco e uma calça preta rasgada nos joelhos. Calcei meu All Star preto e invadi o banheiro de Cadu, roubando um pouco de seu perfume e seguindo para seu quarto, onde me joguei em sua cama e o assisti terminar de se arrumar.
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A porta que construí para te deixar entrar
RomanceO único sentimento mais forte que o amor, é o medo. Nicolas e Ícaro terão que descobrir se valerá a pena deixar que suas barreiras caiam para ter um na vida do outro.