A curva da morte

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Há em Belém Novo uma parte da estrada, após passar o centro do bairro, uma curva. Ela foi apelidada de "a curva da morte". Muito conhecida, até mesmo, pelos demais bairros da cidade. Enfim. Deve ser por causa dos diversos acidentes que já ocorreram por lá e muitos deles terem levado pessoas à morte. Eu descobri por mim mesmo o porquê a chamam assim...

O ano era 2016. Tudo tranquilo, como sempre. Nos finais de semana, eu costumava andar com os amigos por Belém. Curtíamos muito com nossas motos e carros, andando de um lado a outro. Era muito bacana. Eu havia recém comprado um carro usado. Era o que o dinheiro podia pagar: um Fiat dos modelos antigos.

Bairro sem fiscalização, nem rondas da brigada militar. Tudo o que mais nos beneficiava. Eu, por exemplo, não tinha carteira de habilitação e nem precisava. Era tudo uma brincadeira.

Na época eu namorava. A chamávamos de 'menina diamante', por causa das suas diversas tatuagens pelo corpo que retratavam a pedra preciosa em questão.

Decidimos, eu e ela, sair para curtir de carro. Era sexta-feira à noite. Cheguei na avenida da praça, a galera já estava lá esquentando os motores. O pessoal ao ver o carro quis saber seu desempenho. Eu, claro, não podia deixar de mostrar. Fomos até o terminal dos ônibus (no final da rua). Eu com meu carro e mais dois amigos, cada um com suas respectivas motos. Assim subimos correndo, passando pela praça e indo em direção ao outro lado do bairro. Então descemos e chegamos à curva.

E o que vi ali, ia contra tudo o que acreditava. Se pudesse voltar atrás, nem sequer sairia naquela noite.

Aquilo era horrível!

As duas motos que estavam próximo de mim, sumiram, não as via mais. O tempo passava devagar; eu sentia o carro mais pesado; a direção era difícil de virar; meu pé pressionava o acelerador sem eu querer. Em meio a névoa, que começou a se formar, estava ali na curva, aquilo que só poderia ser o próprio diabo. Parado no meio do asfalto. Estava me olhando, diretamente nos olhos, induzindo a continuar andando. Sem poder frear, indo, apenas indo.

O que vi possuía aspecto esquelético, sua pele parecia couro velho, seco, rasgando sobre os ossos. De várias partes de seu corpo pingava um líquido viscoso, preto, que caia sobre o asfalto.
Não se via rosto, sua face era afundada e escura. Poucos cabelos saiam da cabeça e eram longos fios brancos que desciam até o pescoço. Não possuía olhos, mas mesmo assim, ficava me encarando como se tivesse.
E sem nada que eu pudesse fazer...O carro bateu.

***

Quando voltei a mim, aquilo estava em cima da 'menina diamante'. Encostou o rosto oco em sua face, encaixando-o. Nunca fui de ter crenças, mas posso jurar que ele sugou a alma dela.
Não podia me mover. Tentei gritar mas era inútil, aquela aberração, agora, vinha até mim. Ia aproximando seu rosto, vagarosamente, fumaça exalava do interior daquilo, quando estava quase encostando, minha visão enegreceu e pude gritar.
A criatura desapareceu. Meus amigos estavam ali, o socorro já havia chegado.
Fui levado de imediato ao hospital, em seguida apenas lembro de ter desmaiado.

Hoje sou outra pessoa.
Ainda moro em Belém Novo, apesar de poucos saberem disso, até porque não saio de casa pra nada, sou tetraplégico: não movo do pescoço para baixo. Penso que tudo poderia ter sido evitado. A 'garota diamante' está morta e eu, frequentemente, penso naquela noite. O que era aquela bizarra criatura?
Os médicos me disseram que fui reanimado, que me encontrava prestes a morrer. Por isso aquele ser desapareceu? Conseguiram me resgatar a tempo? Bom, não sei dizer. Procuro não pensar mais nisso.

Pedi para escreverem este relato, pois nada posso fazer além de narrar. Quero que todos saibam e evitem aquela estrada. A criatura é a morte e sempre induz a se matar aqueles que atravessam seu caminho.
Não creio que cervejas e cigarros tenham criado aquilo.
Realmente não creio...

Segredos de um bairroOnde histórias criam vida. Descubra agora