Aranhas por toda parte

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"Aranhas, aranhas por toda parte!".

Era isso que meu vizinho dizia.
"Emanuele, aranhas por toda parte!"
E gritava...

Arnaldo era meu conhecido há anos. Dividíamos o mesmo terreno em uma parte calma de Belém Novo, próximo ao local chamado Veludo, 'estrada de chão', que faz fronteira com o rio Guaíba. Ele costumava sair com seu cavalo. Deixava-o no pasto e após algumas horas retornava para buscá-lo. Essa rotina era diária. Porém, a monotonia inacabável, teve seu dia de ruptura.

Em uma segunda-feira à tarde, dia de clima nublado, chega a casa Arnaldo, debatendo-se e passando as mãos em sua roupa, como se estivesse livrando-se de algum inseto. Aproximo-me e o indago:
- Arnaldo, o que houve?

Ele diz, a fatídica frase:
- Aranhas, aranhas por toda parte!

- Aranhas? - pergunto eu, um tanto incrédula.

Ele vai até o tanque, pega um balde d'água e o vira contra a cabeça. Ofegante, explica:
- Fui buscar meu cavalo, ele estava ali onde o deixei, no pasto, mas, logo que cheguei, vi algo horrível.

De pronto pergunto:
- Mas o que há de tão horrível?

Ele pega uma tesoura de jardinagem que estava sobre o tanque. Em seguida, puxa-me pelo braço e diz:
- Venha cá ver.

Assim que saimos andando, Arnaldo, apanha um sarrafo do chão. Instantes depois, já nos encontrávamos na estrada do Veludo. Então vejo. Se ele não me mostrasse, dificilmente iria crer. As árvores estavam tomadas por teias e as aranhas caminhavam em todos os lugares, no chão e nas árvores.

O cavalo permanecia lá, sendo envolvido pelas teias, não podia sair do lugar, pois se mantinha amarrado a uma árvore. Arnaldo foi ao seu socorro, matando as aranhas do caminho com o sarrafo. Dessa forma, consegue aproximar-se e libertá-lo, cortando a corda que o prendia, fazendo uso da tesoura de jardinagem.

O animal sai galopando, apavorado, até sumir da vista. Quando Arnaldo ia correr para alcançá-lo, as aranhas que estavam no topo das árvores, caem sobre seu rosto. Desesperado debatia-se. Todas elas, de uma só vez, foram para cima dele. O coitado pulava e golpeava a si mesmo, afim de livrar-se da infestação. Seu pavor era tanto que terminou por se desequilibrar e cair. Despencou da estrada, barranco abaixo. Na queda bateu a cabeça nas pedras que costeavam o Guaíba.

Arnaldo estava morto diante dos meus olhos. Não pude ajudar, tenho fobia a aranhas. Simplesmente paralisei, Ainda mais naquela situação. Esses 'bichos', definitivamente, não são normais. Foi tudo tão repentino. Assim que ele caiu, elas, pouco a pouco, começaram a separar-se e a entrar na mata, sumindo bem na minha frente. As teias foram, de modo sútil, ao longo dos minutos, desintegrando-se.

Para as autoridades, a causa da morte foi queda acidental. Minha versão acabou sendo desconsiderada.
A classificaram como estresse pós-traumático. E a explicação oficial é a seguinte: Arnaldo escorregou nas pedras, enquanto desamarrava seu cavalo. A queda, inevitável, foi a causa da morte.
Mas eu sei a verdade, sei o que presenciei naquela tarde. Hoje entendo o porquê chamam esta estrada de 'Veludo'. Na certa os avistamentos não são recentes. E a estrada leva o nome desse maldito fenômeno.

Preciso ir embora daqui...

Ainda hoje, em meus pesadelos, posso ouvir a voz de Arnaldo:
"Aranhas! Aranhas por toda parte..."

Segredos de um bairroOnde histórias criam vida. Descubra agora