Hellboy
Encarei todas aquelas caixas do porão e me xinguei mentalmente por não ter anotado nelas o que guardavam quando tive tempo. Aquilo demoraria horas, isso se eu conseguisse encontrar o que me fora pedido, claro.
Eu amava minha esposa com todas as minhas forças, mas juro que queria que ela fosse menos exigente ocasionalmente.
Tudo aquilo por um bendito colar. Segundo ela, o colar era algo passado de mãe para filha, começou com a tataravó e foi passando para as mulheres das gerações seguintes. Eu sabia que se tratava de seu colar favorito, mas não conseguia entender o porquê dela ter escondido nos confins do sótão e não em seu porta-joias.
Mulheres são complicadas. Fiz questão de ensinar isso para meus três filhos, mas frisando ser por isso que mulheres eram tão incríveis. Apesar de eu ter ajudado a colocar no mundo três moleques que eram poços de complicações.
Mark, o mais velho, era provavelmente o mais fácil de lidar dos três. Sempre fora obediente e tranquilo, mas perguntava todos os porquês que tinha direito, era curioso como um guaxinim, e isso me rendeu milhares de saias justas quando ele era pequeno.
Andrew, o do meio, sempre foi um confrontador nato, o que fazia com que só aceitasse ser corrigido se ele entendesse exatamente o motivo para sua correção. Detestava admitir estar errado, e tínhamos que ter argumentos muito bons para provar para ele que estávamos certos, mesmo que, por vezes, a desculpa era apenas "nós somos seus pais e ponto final".
Mas penso que o mais complicado de todos era o meu caçula, o Daniel. O garoto era um poço de sentimentos e de controvérsias. Era uma versão mais jovem e mais alta de mim mesmo, e lidar consigo mesmo é sempre o maior desafio que alguém pode enfrentar.
Helen, a minha esposa, era complicada também. Cheia de controvérsias, de mistérios, e foi isso que me fisgou quando eu tinha apenas dezoito anos, e ela, dezesseis.
Bufei, frustrado. Não sabia nem por onde começar a procurar. Eu não podia sair daquele sótão sem o colar, meu filho mais velho estava voltando de viagem e passaria o fim de semana conosco, em casa, e depois voltaria para sua com a esposa e com meu neto.
Neto...
Eu ainda me sentia jovem demais para ser chamado de vovô, mas aquele pivetinho era divertido.
— Pai, o Andrew pegou meu carregador de novo! — A voz do meu caçula, que era grave e rouca, me fez tomar um susto. — Eu não emprestei pra ele, mas ele pegou mesmo assim!
Fechei os olhos e suspirei, impaciente.
— Pega o meu — Respondi.
— Não é esse o ponto — Ele apoiou os cotovelos no chão e franziu o cenho. — É o meu carregador, ele não pode sair por aí pegando o que ele quiser só porque ele é mais velho que eu. É por isso que ele não arruma uma namorada!
Ele revirou os olhos.
Era quase uma piada. Aquele moleque de dezessete anos era praticamente um clone meu que coloquei no mundo, tirando o fato dele ter crescido sete centímetros a mais que eu. Olhar pare ele era como me olhar no espelho e enxergar o meu passado. A mesma personalidade petulante, os mesmos gostos perigosos, a mesma inconsequência. Um garoto com um coração e um ego do tamanho de Júpiter.
— Como vou avisar a Allison que não vou poder jantar com ela hoje se aquele idiota pegou meu carregador? Minha bateria não vai durar pra sempre! — Bateu a mão no assoalho de madeira.
Eu ri, ele era um namorado dedicado, cuidadoso e extremamente apaixonado, mas ainda agia como uma criança quando brigava com Andrew.
— E você quer que eu faça o quê? — Perguntei, me sentando no chão.
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Artificial: 1988 [DEGUSTAÇÃO]
Teen Fiction[COMPLETO NA AMAZON] Brookline costumava ser uma cidade quieta e pacata, mas isso não significava que ela não era dona dos seus próprios segredos. Com gangues perigosas no comando de algumas áreas da cidade, Brookline está prestes a viver a sua époc...