O Parque

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Com os olhos fechados, levantou levemente seu rosto e respirou profundamente. Sentiu o cheiro das flores não muito distantes, o chão suavemente úmido que jogava um cheiro distinto. Enquanto sentava naquele banco, embaixo da árvore, sentia o vento que tocava as folhas verdes e emitia um som incrivelmente relaxante. Ela sentia tudo, mas nada era maior do que sentia por dentro. Porque muitas vezes o mundo é maior dentro de si do que lá fora, e ela sabia disso. Abriu seus olhos e viu os pombos saindo do alto e ciscando o chão, desesperados por alguém que os alimentasse. Aquela praça era uma das melhores da cidade, mas nenhuma era capaz de se livrar da natureza viva. Ainda existiam pessoas que iam pra praça somente para alimentá-los. Seu celular vibrou, então levou a mão ao bolso e conferiu a mensagem, do seu pai. Foi até as músicas, e começou a tocar I Don't, de Koda. Desviou seu olhar para a grama embaixo do seus pés, e também em todo o campo de quilômetros de distância. Ainda que verde a impressionava incrivelmente, nada superava o escuro: ela amava o céu a noite, e toda a incrível sensação de inferioridade que ele passa. O sol nos dá raios de luz que iluminam e pintam nossos caminhos, mas as estrelas nos dão humildade. Ela achava uma pena que milhares de luzes são ligadas toda noite, porque a luz quer a beleza para si. Ela esconde um grande universo bem perto, mas tão longe.

Levantou então do seu assento e começou a andar no parque, entre as pessoas e os monumentos. Pensava como era incrível a fonte no centro, mas também pensava em como os humanos tiramos uma parte da água do mundo e colocamos ali, no meio de tudo, como se dissessem: "Ei, olha, nós controlamos vocês".

Mesmo assim, foi até ela, olhou suas ondas, e se perdeu entre elas. Para ser sincero, aquele parque expirava beleza, e era tão perto de sua casa. Foi então para seu lugar favorito, bem longe da entrada do parque, na direção do horizonte. Após uma boa caminhada, chegou na frente do lago, com uma árvore a sua esquerda e um pequeno balanço pendurado dos galhos que suportavam até uma adulta, como ela. Se ajeitou no assento de madeira, segurou com as duas mãos as cordas e deu um leve balanço com os pés. A cada ida e volta, o vento rodeava e corria pelo seu rosto e seus cabelos, até que ela decidiu parar, e simplesmente olhar para o lago.

A maior parte das pessoas decidem não sentir muito, principalmente depois de um coração partido ou a perda de alguém. Estão assim amargos, deixam tudo lentamente se deteriorar por dentro, sofrendo em silêncio. Mariana não era assim. Ela era uma ilha, John Donne. Dentro de si existia um cobertor quente de sentimentos, que por vezes se tornava tão quente que não havia outra opção senão transbordá-la.
Ela se perdia em um novo mundo, onde não existia mais ninguém, e esse mundo era solitário. Se prendia alí, acompanhada apenas pelo seu antigo fone de ouvido, que tocava músicas assim como tocava seu coração. Aquela era apenas um pouco de gasolina para alimentar um oceano de fogo. Ela gostava de quem era, mas queria ser ela mesma com alguém que sentia o mesmo, assim seria mais feliz, assim nunca estaria sozinha.

Muitos são gotas, poucos um lago, mas ela era o oceano. Então, quando se sentia cheia, pegava seu pequeno caderno pequeno, sua caneta esferográfica, e escrevia uma poesia. Os poetas são as únicas pessoas que sabem o que é sentir de verdade, e às vezes sentir de verdade dói. Ser poeta dói, e ela sentia isso.

Lentamente colocou força na porta desgastada pelo tempo e entrou em seu apartamento, seguido pelo barulho estridente de ferro enferrujado. Aquele tinha sido um dia estressante no trabalho, e tudo que ela precisava era deitar no sofá e nunca mais levantar. Isso agora era possível, porque aquele foi seu último dia antes das férias, então embora cansada, aliviada ela estava. Colocou a bolsa na cadeira e amarrou o cabelo com uma xuxa, e foi logo em direção ao seu pai, após vê-lo de relance. Perguntou:

- Ainda acordado?
- São 20:00. E também é uma das vantagens de envelhecer, você não dorme cedo e acorda tarde.
- Não deveria ser o contrário? - Indagou curiosa.
- Hm. Deve ser porque eu tenho um espírito de jovem! Agora venha, sente-se aqui - Puxou uma cadeira - e me conte sobre seu dia.
- Por que as pessoas precisam trabalhar, pai? E por que as pessoas têm que ser tão ruins?
- Ninguém nasce puramente ruim, amendoim. Tudo é aprendido e repetido, e isso é perigoso. O que aconteceu, filha? - Ele disse.
- Nada demais, uma colega foi demitida, e ela precisa daquele emprego, muito mais do que eu.
- Você se culpa por ela ter perdido o emprego? Não é sua culpa, sabe disso né?
- Sei... Mas ninguém merece passar por problemas, pai, não importa se a pessoa é boa ou não. Se a vida de alguém não é boa, isso não significa que a vida é má com aqueles que jogam seu jogo?
- A vida não faz nada a ninguém, são as pessoas que fazem o ruim a si mesmos. Ou tem que aguentar o que é ruim que outros tem que oferecer. Você só precisa pedir pelo bom, e se esforçar ao máximo para conseguir isso, que pelo menos metade você vai conseguir.
- Onde você viu isso? Livro de auto-ajuda?
- Oprah! Amo aquela mulher.
- Esquisitão de 50 anos que vê Opraaaaah!
- Quer brigar é? - Começou a fazer cócegas nela, ao qual gargalhou como uma criança. - Todo mundo da minha idade vê o programa dela!
- Breeeegaaaaa!
- Sem janta pra você, e vai ficar de castigo!
- E eu tenho o quê? 14 anos.
- Pra mim, sempre. - Segurou o olhar no dela.

Ficaram por alguns momentos sem dizer nada. Era um dos momento favoritos de Mariana, saber que havia alguém em casa depois de todos os dias.
Mariana deu um sorriso. Desde que sua mãe os deixou, quando ela era pequena, tinha sido apenas eles dois nesse mesmo apartamento. Por 23 anos, tem sido esse apartamento. Por nenhum deles ela deixou de amar esse homem com todas as suas forças, porque ele fez isso primeiro, por muito mais tempo.

- Estou bem. Agora só preciso de um bom banho e deitar no sofá por 15 minutos. Ah, eu comprei o que você pediu, está na minha bolsa, pode pegar.
- Obrigado filha. Você é a minha favorita.
- Eu sou única! - Gritou ela do corredor.

- É sim amendoim, você é única...

Abriu a porta do banheiro, tomou banho e foi para a cozinha comer. Teve uma conversa com seu pai, mas decidiu ser breve e ir para seu quarto. Apenas beijou sua própria mão e encostou na bochecha do seu pai, se despedindo como de costume.
Abrindo seu quarto, o feixe de luz adentrou e iluminou pouco a pouco todos os móveis. Sua cama forrada com um tecido preto que se misturava com a escuridão, a nova mesa no canto cheio de peças de xadrez em cima, o guarda roupa que usava a anos; seu planetário pendurado por cordas, que sua mãe havia construído anos atrás. Apenas fechou a porta atrás de si, deitou e olhou para os planetas.
Cada planeta daquele era um lugar bem distante que era impossível de alcançar por muitos anos, intocável pelos humanos. Era um lembrete de que o universo não é contido em uma pessoa, em uma cidade ou planeta. Não, ele era bem maior que isso. Ele pode ser o lembrete de que somos pequenos, para outros um lugar para chamar de lar, para ainda outros a única coisa que restava da sua mãe. É reconfortante saber que não importa o que acontecer, quantas pessoas se forem, quantas gerações passem, tudo ainda estará lá em cima, olhando para todos nós. Estamos todos conectados, porque pode ser que o amor da sua vida existiu a séculos atrás, e essa pessoa olhou para as mesmas estrelas que hoje você contempla.

Longe DaquiOnde histórias criam vida. Descubra agora