Capítulo 3

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Um mês depois, tudo havia se acalmado. A vida naquela casa em um bairro levemente agitado havia virado a rotina daquelas duas vidas que dependiam um do outro para manter a casa em pé. Era sempre a mesma rotina: café da manhã, almoço, lanche e janta. Não eram muito de sair, porque encontravam um no outro toda a companhia necessária para se sentir bem. Mas sabiam que fazia bem respirar novos ares, e por isso Simon insistiu que Mariana saísse no domingo para passear com amigos. Após algumas mensagens, tudo estava combinado: chocolate quente na cafeteria com seus dois melhores amigos. E apenas em algumas horas, o que era mensagem saindo em uma tela digital virava realidade, com todos na mesa segurando seu copos. De tarde todo o céu havia escurecido trazendo consigo uma chuva forte como não havia acontecido ainda no mês, o que fazia daquela ocasião ainda mais confortável, estar protegido, estar quentinho, estar bem, apenas ouvindo o barulho da chuva caindo ao chão lá fora e vendo as gotas baterem na janela ressoando um som oco e prazeroso. Era um daqueles momentos que você se sente bem por apenas sentir o momento, porque ele por si só basta, nada mais. Depois de um tempo de conversa, Mariana virou para os dois amigos e disse:

- Então dama e damo, quais são as novidades?
- Comprei uma casa. - Disse Julia.
- O quê? - Disse Mariana
- O quê? - Disse Kyle.
- Quê que vocês tão olhando? Ainda falta ajeitar umas coisas aqui e ali, mas não deve demorar muito pra mudar as coisas.
- É uma mudança e tanto ein?
- É. Lucas quer que a gente case em janeiro, é bom ter um casa quando chegar a data.
- Mas é o que você quer? - Mariana perguntou.
- É sim. Lucas é uma boa pessoa, sei que vai dar certo. - Ela respondeu.
- Também tenho uma novidade. Vou passar esse final de ano viajando por aí, de carro. Juntei um dinheiro e acho que dá pra chegar bem longe daqui. - Kyle disse.
- E seu trabalho? - Júlia perguntou.
- Férias. Depois de cinco anos e muitos pedidos, consegui um pouco de férias. Vou sair por aí enquanto der.
- Fico feliz por vocês. - Disse Mariana. - As coisas andam meio paradas pra mim. Ainda não sei como terminar a história que eu comecei. As vezes parece que eu só estou colocando letras pra encher a história e que vai deixar os leitores entendiados, sei não...
- Um dia, você vai deixar o emprego e virar escritora em tempo integral. Então muitas pessoas vão reconhecer você e vai ter muita grana. Eu vou estar com você e você vai ficar me emprestando grana. - Disse Julia.
- E revelar seu plano ajuda como?
- Você não vai se livrar de mim, nem se tentasse menina!
- Eu sei, praga. - Brincou.
-  Uma bem rica no futuro. Será que essa chuva vai parar por agora? Não quero dirigir em um tempo assim...
-  Talvez, daqui algumas horas... - Kyle disse.
Enquanto terminava de dizer, Mariana recebeu uma mensagem do seu pai, perguntando se já voltava para casa.
- Gente, papai já está preocupado. É, eu sei que eu tenho 23, mas vocês sabem como ele fica preocupado. Vejo vocês depois? - Perguntou.
- Vai lá Mari. Até mais - Disse Kyle.
- Vai pela sombra, Ana! - Disse Júlia.

Chegando perto da porta, se virou e disse para eles ouvirem:
- Ei, almoço na minha casa qualquer dia desses! Fui.

Enquanto saia da cafeteira com o guarda chuva amarelo, o som da chuva no asfalto intensificava, assim como os pingos que atingiram seus pés e roupa. Apressou o passo, e só após uns metros percebeu dois homens com roupas de proteção contra a chuva seguindo atrás dela. Seu coração congelou, suas mãos agarraram mais forte o guarda chuva. Olhou para os lados, mas não havia ninguém em lugar algum, nem lugar para se esconder. Foi para a direita do estacionamento, seguida pelos dois. Começou a correr, ao qual ouviu ambos correndo atrás dela. Tinha certeza agora que tinha que fazer alguma coisa, porque parar não era uma opção. Começou então a pedir ajuda, a gritar naquele lugar por ajuda, mas ninguém a ouvia com o barulho da chuva. Foi em direção a entrada de fundos na cafeteira, e bateu o mais forte possível na porta, e mais ainda. Sem resposta, sabia que não havia mais nada a fazer. Se virou, e gritou o mais alto possível:
- SAI DAQUI! EU NÃO TENHO NADA!
- Dinheiro e celular AGORA, e eu penso em deixar você ir. - gritaram.

No mesmo momento, Kyle apareceu atrás e disse:
- Vocês ouviram a moça. Deixa ela ir.
Os dois riram, se aproximaram dele e disseram:
- E o que você vai fazer, hein? Segurar a mão dela?
- Eu? Nada. Esses caras que estão atrás de mim, eu não sei. Cai fora.
Viram então mais cinco homens atrás, que Mariana se lembrava estando sentados na cafeteria, ao qual reagiram relutantes, saindo enquanto podiam.

- Você tá bem? - Perguntou Kyle
- Eu não sei. Isso nunca aconteceu comigo. - Ela respondeu.
- Vem, eu vou chamar um taxi, você pega o carro amanhã. - Disse.
- Kyle, obrigada. Se você não tivesse uma namorada, eu te abraçava agora.
- Que pena que eu tenho, então.
- Pois é... agora eu só quero descansar. Te vejo lá dentro.
Ela saiu, e enquanto ele ainda continuava olhando para o mesmo lugar, disse em voz baixa:
- É, te vejo lá dentro.

Assim que o táxi chegou, ela abriu a porta e se acomodou no banco. Ainda levemente em choque, disse seu endereço e recostou-se. Pegou seu fone e colocou no ouvido, pois sabia que música é a melhor forma de processar qualquer coisa. Também sabia que todo momento da nossa vida merece uma trilha musical. Enquanto passava pelas ruas, a chuva ainda caia lá fora. Toda vez que fechava os olhos, tudo acontecia de novo dentro de si, o assalto, o grito, sua mãe. Esperava ansiosamente a hora de chegar em casa e se sentir segura dentro de casa, sem mais surpresas.
O táxi chegou na porta do prédio e estacionou. Ela saiu, subiu as escadas e abriu a porta.

- Pai? Cheguei.
- Oi amendoim. Fiquei preocupado, você não costuma demorar assim. Tudo bem?
- S-sim. Novidades lá e cá, a gente conversou tanto que eu perdi a hora. E você?
- Arrumando a casa, cozinhando. Eu não vi o carro entrando na garagem. - suspeitou.
- Eu entrei rapidinho, você não deve ter visto. Tem o quê para comer?
- Deixei na geladeira pra amanhã. Se quiser eu esquento pra você.
- Não precisa... - Olhou para o sofá e viu coisas espalhadas. - Essas são os nossos álbuns?
- São sim, eu estava dando uma olhada por um minuto. - Ele disse.
- Uau. Fazem anos que eu não via essas fotos.

Os dois então se aproximaram do sofá para uma inspeção minuciosa. Sentaram-se no sofá, e Simom disse:

- Lembra dessa foto?
- Quando a gente foi para aquela piscina, pra você me ensinar a nadar. Eu ainda me lembro do lugar.
Simon retirou os óculos, olhou-a nos olhos e disse:
- Amendoim, se você aprecia um momento, nunca pode deixar ele sair sem guardar alguma coisa dele. Deveríamos até tirar uma foto agora. - Ao qual ela pegou a câmera.

Na hora a luz do flash iluminou seus rostos e todos os móveis ao redor.

- Pronto. Assim você sempre vai ter esse momento com você, guardado no seu bolso.

Puxou então a foto da câmera polaroid, aquela com impressão instantânea. Olhou por uns segundos e pensou sobre como as marcas do tempo estavam alcançando seu pai, só que cada vez mais sua sabedoria aumentava. Era por momentos como esse que ela sabia que seu pai era como ela em diversos sentidos.

- Seria uma boa ideia comprar alguma moldura e deixar ela aqui na sala. - Mariana disse.
- Não amendoim, guarde sempre com você, na bolsa. É melhor ainda. Agora vai dormir, já está bem tarde.
- Amo você, pai.
- Não mais do que eu, amendoim.

E tocou o nariz dela.

Mariana foi para seu quarto e antes de dormir tomou um banho. Quando a água descia sobre seu rosto, fechava os olhos, e tudo repetia de novo. Só queria que aquilo tudo acabasse. Sabia que não contar para seu pai seria o melhor, porque não queria que ele se preocupasse. Foi então para a janela do seu quarto e olhou a lua. Era dourada naquela noite, mas as nuvens insistiam em cobri-la, em vão. Seu brilho transpassava o escuro que a envolvia, até que em algum momento ela não pode mais lutar e foi tomada pelo preto, mas nunca totalmente.
Sempre havia uma ponta de esperança.

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