Infância

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Normalmente as pessoas dizem que a infância é a melhor fase de nossas vidas, concordo em partes, pois a minha foi cheia de abandonos. E também porque me forcei a amadurecer muito mais rápido do que as outras crianças para poder entender o motivo de não ter um pai biológico, uma mãe presente, coisas que geralmente todas as crianças de 6 anos costumam ter.

Com o tempo aprendi a socializar melhor na escola e em outros lugares, consegui fazer algumas amigas, o que ajudou com o meu trauma pós-bullying. A Maria, a minha primeira amizade, sempre foi super compreensiva com o fato de eu ser meio fechada, o que nos deixava mais próximas em alguns momentos.

A minha professora naquele tempo se chamava Walkiria, e de longe ela era a pessoa mais elegante que eu já tinha visto. Sempre andava com vestidos de cores escuras mas com detalhes em renda, salto alto e o cabelo muito bem penteado como se tivesse acabado de sair do salão de beleza, ela era muito gentil e quando eu ficava sozinha me levava para a sala dos professores para comermos bolachas caseiras e tomar chá conversando com as funcionárias da escola, era a parte do dia que eu mais adorava.

Mas passei de ano, vieram novos colegas e uma professora nova também, nem tudo que é bom dura pra sempre não é mesmo? O bullying acabou, mas não significa que agora eu teria amigos, continuei isolada. Aquele ano não foi bom mas também não posso dizer que foi ruim, foi um meio termo entre os dois, como é o cinza entre o preto e o branco.

Não fui a criança imperativa que adorava brincar ou fazer folia, era quieta e extremamente tímida para muitas coisas, como ler em aula, participar da educação física e qualquer outra coisa que me fizesse ter contato com alguém. E em não muito tempo Martina voltou com o Caio e a Angelina, eles foram morar juntos em um apartamento do outro lado da cidade, então raramente nos víamos.

Angelina e eu éramos bem próximas, sempre acreditei que talvez fosse pela proximidade das idades, ela nasceu quando eu tinha um ano e cinco meses, na realidade nem lembro como era a minha vida antes da Angelina ter nascido. Caio nasceu quando eu tinha três anos e meio, lembro de ter pego ele no colo no hospital, mas não sabia direito que ele era meu irmão pois eu chamava minha vó de mãe e a Martina pelo nome sempre.

Depois que eles voltaram Angelina vinha me ver todos os finais de semana ou eu ia com ela posar na Martina, e até que era legal quando a Martina assumia o papel de mãe comigo, estranho mas legal.

Todos nós estudamos na mesma escola, o que acabou sendo um alívio porque a Angi, como eu chamava a Angelina, estaria lá e o Caio também. Nós três dividíamos o lanche todos os dias, e eu levava cada um até a porta da sala depois que o recreio terminava, sentia que precisava protegê-los, mas não sabia que quem realmente precisava de proteção entre nós, era eu.

Comecei a me perguntar cada vez mais o motivo que fez a Martina não querer me levar com ela, nunca ter ficado comigo, eu não conseguia entender, aquilo me deixava tão vazia e eu me sentia tão egoísta por menosprezar o amor dos meus avós daquela forma. Eu podia ter dito a eles, claro que podia, eles sempre foram compreensivos e gentis, mas eu tinha tanto medo de ferir os sentimentos dos dois, que até doía o peito só de pensar em como falar pra eles.

Fui guardando tudo isso cada vez mais, e os anos iam se passando, e uma noite tudo transbordou, os pensamentos a mil por hora, eu não conseguia parar de chorar e sentir algo esmagando o meu peito com tanta força que era impossível respirar. Sentia tanta culpa por não ser o suficiente, não ser o que meus pais quiseram, não ser a irmã que o Caio e a Angi mereciam, não ser boa o bastante pra ninguém, aquilo me esmagava. Não sabia que aquilo tinha sido minha primeira crise de ansiedade, e nem seria a última das que estavam por vir.

Eu não contei pros meus avós sobre esse ataque de pânico, primeiramente porque eu não fazia ideia do que era, pensava que talvez eu só estivesse triste, que era normal, como uma dor de cabeça que nós insistimos em dizer que vai passar, no entanto não passa, nunca passou.

Ela Salva a Si PrópriaOnde histórias criam vida. Descubra agora