Ficar bonita machuca.

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Meus pais se separaram quando eu ia completar 16 anos. Parece triste, eu sei, mas no fundo eu sabia que isso aconteceria cedo ou tarde.

Vovó quase surtou quando descobriu que minha mãe estava grávida. Um casamento ou um aborto - foram exatamente essas as condições que ela deu a eles. E se estou aqui, vivinha da silva, acho que já podem imaginar qual escolheram.

A real é que papai e mamãe nunca se amaram, só se suportavam. Mas com o passar do tempo foi ficando impossível manter o relacionamento (se é que podemos chamar assim).

Vieram mais filhos, e com isso a dificuldade foi aumentando também. Então decidiram pacificamente que tinham que acabar de vez com isso.

Sim, pacificamente, nada de choro, grito, panelas sendo jogadas, nem nada do tipo.

Mamãe decidiu que voltaríamos para a cidade natal dela, onde eu, ela e meus dois irmãos moraríamos junto com uma tia minha. No começo foi bem estranho me imaginar morando longe de papai, mas ele prometeu que viria os visitar uma vez por mês.

Eu lembro perfeitamente que passei o dia do meu aniversário todinho descarregando caixas de uma caminhonete velha, lembro também que ao final do dia cantaram parabéns pra mim com um bolinho simples, e ao soprar as velinhas eu desejei ser totalmente diferente do que eu era.

E pela primeira vez os Deuses me ouviram, e aquele ano de 2017 foi um ano onde eu realmente mudei muito.

No inicio, minha tia Francielly (que até então eu não conhecia muito bem), parecia ser uma boa pessoa. Mas só parecia mesmo. Ela foi uma peça fundamental na minha falta de autoestima. Francielly vivia fazendo piadinhas e comentários do tipo:

"Acabou o Bombril, vamos usar o cabelo da Aisha no lugar"

"Uma pena você ter puxado a família de seu pai. Se tivesse puxado a nossa seu cabelo não seria ruim".

"O bom de ser escurinha assim é que quando pega sol não fica ardendo né."

E todos davam risada. Sim, até eu. Mesmo que cada palavra me machucasse fortemente por dentro eu colocava um sorriso no rosto.

Um belo dia ela me disse que iria me dar um presente. Pediu pra eu me arrumar e fomos andando até o salão de cabelereiro que havia na rua de baixo da nossa. Minha tia fez com que eu me sentasse na cadeira do salão, e disse que eu só poderia olhar no espelho depois que todo o procedimento acabasse. Eu fiquei meio receosa, mas concordei.

Foram longas quatro horas. E eu me lembro de cada segundo.

Lembro o quanto foi dolorido, o quanto meus olhos ardiam e lacrimejavam. E também não me esqueço da dor que eu estava sentindo no couro cabeludo de tanto que puxaram meu cabelo. Ao reclamar que estava sentindo dor, eu ouvi pela primeira vez uma frase que seria crucial na minha vida:

"Mulher sofre pra ficar bonita"

E eu acreditei nisso. Acreditei porque quando eu me olhei no espelho e vi o resultado final me senti realizada. Meu cabelo estava liso. Liso igual das mulheres da TV, igual os das meninas que me zoavam no jardim de infância e igual o das garotas que os meninos diziam ser bonitas. Aquele momento eu me senti mais igual a todas elas.

Mamãe quase surtou quando cheguei em casa. Na verdade ela ficou dias sem falar direito comigo e com a tia Francielly. Lembro até de ter a ouvido dizer algo como:

"Isso vai estragar o cabelo dela".

Mas o que mamãe não entendia, é que eu havia nascido com o cabelo estragado.

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⏰ Última atualização: Jan 15, 2019 ⏰

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