CATORZE

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Leonardo colocou o CD no suporte do computador e esperou a tela carregar seu conteúdo. Valerie e Travis observavam tudo de longe, com olhares curiosos.

Os arquivos estavam em formato de documento e o garoto se sentou um momento para correr os olhos em cima deles. Era uma sensação familiar e reconfortante, apesar de bom, tudo. Ele sempre repassava cada arquivo todos os dias, sempre com a sensação de que havia algo a mais, algo no qual ele não estava prestando atenção e que era tão absurdamente bobo que ele se sentia um idiota por estar  deixando essa possível coisa escapar.

A maior parte deles se tratava de matérias de jornais sobre novas medidas educacionais do governo estadual e alunos que se destacaram em concursos regionais. Havia algumas fotografias também.

"Uau, se eu não te conhecesse, diria que você é um agente do FBI", Travis se aproximou lentamente da tela, como uma mariposa é atraída pela luz. "Todos estes recortes de jornais e fotos. Mas se isso for sobre o que eu estou pensando o que é, nós formos mais rápidos em deduzir do que você."

"Como assim?", ele indagou antes de clicar em um outro arquivo. Era uma lista de todos os adolescentes que haviam desaparecido nos últimos dois anos. Quando Travis abriu a boca para respondê-lo, Valerie soltou um forte assobio.

"Roger tá vindo para cá!", ela fez um sinal apressado com a mão. "Desliga logo isso!"

Leonardo tirou o CD rapidamente e o guardou no mesmo lugar de antes. Valerie saiu da porta quando o monitor Roger entrou, lançando um sorriso inocente para eles.

"Vejo que conseguiram cumprir com o combinado" , ele checou máquina por máquina. "Eu não disse? Não é nenhum bicho de sete cabeças."

Leonardo dividiu o olhar entre Travis e Valerie. Eles olhavam para o garoto como se realmente nada fosse tão difícil assim.

Era o que ele mais esperava.

***

"Então desembucha", Valerie deu um gole no seu suco e pousou distraidamente o copo de plástico com canudo no chão, ao lado dos seus pés. Eram cerca de três horas da tarde e todos estavam sentados em um ponto de ônibus. "Nos diga pelo menos alguma coisa relacionada aquele CD que você enfiou em um dos computadores do Giny's Rock. Você prometeu."

"Não, eu não prometi nada", ele levantou as duas mãos. Valerie estreitou os olhos em sua direção. "Tabóm. Eu vou falar alguma coisa."

Travis que estava sentado do lado de Valerie fez um barulho estranho com a boca.

"Nós já sabemos sobre o que ele vai nos dizer, Valerie."

"Desculpe crianças", uma senhora que estava sentada do lado de Valerie olhou para aqueles três jovens. "Mas alguém poderia me informar se o ônibus para o-"

"Ele está vindo aí!", Travis apontou para um coletivo se aproximando e a senhora se levantou rapidamente, dando sinal.

"Ei, você nem sabia se aquele era o ônibus que ela ia pegar!", replicou a menina olhando para a senhora que agora estava subindo as escadas do automóvel. Ele deu de ombros.

"Dane-se. Se ela ficasse aqui, esse cara não ia nos falar nada."

"Obrigado Travis", o tom de voz de Leonardo era irônico. "Tá, eu vou falar. Todos os meus arquivos são sobre alunos. Alunos desaparecidos e os melhores alunos de colégios e concursos. Digamos que há uns seis meses atrás eu me dei conta de uma coisa. Uma coisa que me deixou instigado por semanas."

"Que você sabia fazer a coreografia de Thriller?", Travis provocou novamente. Ele fez uma pausa antes de responder.

"Isso também. Mas a outra coisa era mais importante. Ela estava praticamente me acompanhando durante todos os meus dias letivos."

"Ah, já sei. A sua vontade de se enforcar com as cortinas da sala de aula não é?"

"Pessoas desaparecidas. Era tão comum que até poucos meses atrás eu não dava a devida atenção a isso. Mas daí pessoas próximas, pessoas que eu conhecia a praticamente uma vida começaram a sumir como se tivessem sido abduzidas. A maioria colegas de classe que eu conhecia desde o  jardim de infância. "

Leonardo fez mais uma pausa para observar seus ouvintes. Ele nunca havia dito nada daquilo em voz alta para ninguém, e colocar todas aquelas palavras para fora as tornavam reais e assustadoras.

Travis estava alheiro a toda aquela conversa, como se mastigar seu hambúrguer fosse a sua missão no mundo. Valerie mantinha uma reação totalmente oposta, estava com os olhos fixos no rosto dele, parecendo estar totalmente absorta na sua sua história. Um vento repentino e gelado bateu no rosto do garoto, lhe dando arrepios.

"Eu comecei a achar estranho quando colegas com quem eu já havia estudando junto ou apenas pessoas que eu conhecia só de olhar, estavam sumindo como se de repente tivessem ficado invisíveis ou algo louco do tipo. Como meu pai é empresário, passei muitos anos vivendo praticamente como um nômade, pulando de cidade em cidade. Já estudei em tantos colégios que preciso tirar um momento para lembrar de todos eles. Antigamente eu achava um grande azar ter que ficar saindo de um lugar pro outro, sem ter tempo para fazer amigos. Agora sei que tive sorte, porque não teria descoberto o que sei se eu estudasse em um único colégio a vida inteira."

"E o que você descobriu?", Valerie não havia desviado o olhar por um único segundo. "Agora você vai ter que nos contar! Não vou aceitar de boa esse capricho de ficarmos aqui fora, no frio, invés da lanchonete."

"Eu vou contar. Mas antes temos que encontrar uma pessoa", Leonardo se  levantou, checando o seu relógio de pulso. "É bom que minha lógica esteja certa."

***

Os três caminharam rapidamente em direção à casa de Ronald Perry como se fossem fugitivos em busca de um esconderijo. Travis jogou metade do seu hambúrguer em uma lata de lixo e parou para acender um cigarro, ficando um pouco para trás. Valerie acompanhava os passos apressados de Leo, respirando com um pouco de dificuldade.

"Eu acho que eu devia te dizer algo. Sobre todas essas coisas que você nos disse. É sobre meu irmão mais velho, Marlon", ela respirou fundo. "Ele está desaparecido há quase um ano e três meses. Faltava apenas um ano para ele concluir o ensino médio."

Leonardo parou instantaneamente, como se aquelas palavras fossem um freio e ele o carro. Valerie também parou, desviando o olhar e assentindo com a cabeça.

"Pois é. Ele era muito inteligente, a propósito. Era o melhor aluno da turma. Mas daí nos últimos dias antes de desaparecer, ele começou a agir de modo estranho. Ficava irritado com qualquer coisa e não se parecia nada com aquele garoto bom e bem educado que sempre foi. Ele estava muito diferente", ela deu de ombros. "Não sei se isso tem alguma coisa ver com as coisas que disse mas-"

"Não seja idiota, Valerie", Travis se juntou a eles e soltou uma nuvem de fumaça. "Você sabe que tem a ver. Tudo está malditamente interligado. A minha história, a sua, a dele."

"Você também conhece alguem que desapareceu?", Leonardo quis saber. Travis olhou fixamente para o menino, como se o forçasse a desviar o olhar. Ele permaneceu firme, pedindo uma resposta.

"Ninguém por enquanto. Por que eu seria a pessoa desaparecida."




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