Capítulo 1

327 19 17
                                    


Respirou profundamente e de repente o som do ambiente começou a ser escutado. Abriu os olhos rapidamente e observou a sua volta, transtornada. Sentia em sua pele o toque gostoso de um lençol de boa qualidade. Seda em seu corpo. Havia um criado mudo. Uma jarra de água e um copo com um post-it. Sentou-se imediatamente.

Pegou o papel. "bom dia Anna, minha querida. Alex". Depois de alguns segundos em suspensão, riu balançando a cabeça.

Levantou e olhando ao redor, foi até o banheiro. Molhou o rosto sonolento e ao levantar deu de cara com alguém e gritou. Levou meio segundo para perceber que era o espelho.

— Retardada... – resmungou, enquanto pegava a pasta de dente.

Sorriu porque não havia o que fazer. Mas não achava graça. Como aquela piada que de tanto escutar já não provoca o riso. Praticamente toda manhã era assim. Anna Langaro acordava como se estivesse em um outro planeta, num corpo que nem era o dela. Até reconhecer seu quarto, sua casa e seu próprio rosto levava alguns minutos.

Como o doutor disse "vai tentando lembrar o que fez no dia anterior, o que precisa fazer no dia, observe os objetos a sua volta. Tudo com calma".

Era o que ela pensava toda manhã enquanto escovava o dente olhando para o espelho, ou quando ia se arrumando pelo quarto.

"Jantar com o chefe hoje, te pego no trabalho. Te amo, Alex". Dizia o post-it pregado na porta do closet.

Na cozinha, foi preparar um café rápido. Sentou-se rapidamente e leu o jornal em cima da mesa enquanto esperava. Resolveu fazer um pequeno sanduíche. Na porta da geladeira um calendário semanal com todas as suas atividades. Mais um recadinho, dessa vez colado no pote de frios: "Não coma muito queijo, sua ratinha. PS: lembra da ultima vez? Reinado absoluto!"

— Reinado? Mas o que... – ficou vermelha ao entender ao que ele se referia. Sentiu-se tão envergonhada que arrancou o recado e amassou. Deixou o pote pra lá pegou um gole de café e saiu voando para o trabalho.

***

Durante o dia, não tinha muito a fazer na imobiliária a não ser checar uma lista de casas que foram inseridas no sistema. Aproveitou para colocar em ordem todos os seus contratos. Ela detestava bagunça, pois se as coisas estivessem fora de ordem, é possível que ela se perdesse. À sua volta, os outros corretores estavam ora agitados com fechamento de contrato, ora igual a ela, sem nada pra fazer. Esses às vezes comentavam qualquer coisa com os colegas. Sobre o clima, as férias, filhos ou qualquer coisa rotineira. Anna não se incomodava com nada disso, mas apesar de ouvir comentários que poderiam vir de sua própria boca, ela sempre tinha a impressão de que nada daquilo fazia sentido. Nesse momento, seus olhos se viravam para um belo quadro que ficava numa parede do outro lado da sala: uma fotografia aérea muito bonita do principal morro da cidade, mostrando ao fundo parte do céu e do mar.

— Ah, se eu fosse uma gaivota... – suspirava em silêncio.

No horário do almoço, saiu com uma colega da recepção para comer um sanduiche em um restaurantezinho próximo ao escritório. Ele era fofo e tinham mesas na sombra das árvores na calçada. Estava quente, então era bem agradável. Sentaram-se e a colega começou a tagarelar sobre o novo namorado. Na verdade ela não tagarelava, falava na medida das pessoas normais. Anna é que costumava ser muito calada. "não tenho muita coisa a dizer" ela justificava. O que era verdade, em certo ponto. Durante o bate papo, Anna comentou sobre o recado que seu marido havia deixado, mais irritada do que constrangida. As duas riram.

— Eu não te entendo Anna, você diz que tem vergonha desse tipo de comentário que ele faz, mas está aqui falando pra mim e rindo disso!

— Eu sei, mas aqui entre a gente tudo bem!

Pavlov [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora