Ele nascerá novamente

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— ...quando Albion mais precisar, Arthur nascerá de novo. - o livro, que tinha sido lido em apenas uma semana, foi finalmente fechado e pousado na mesa de cabeceira. Kassidy olhou para a sua capa, agora iluminada pela luz tênue do candeeiro. Os seus olhos azul céu estudaram, durante momentos, a imagem de um cavaleiro, com mais de mil e quatrocentos anos, que empunhava uma espada mágica na sua última batalha contra o seu arqui-inimigo.

— Qual é o fim? - a menina perguntou à sua mãe, confusa. Uma pequena ruga havia se formado entre as suas sobrancelhas.

— Ainda não existe fim. - a sua progenitora esboçou um sorriso. Em modo de despedida debruçou-se sobre a pequena e deu-lhe um beijo na testa, não sem antes ajeitar os lençóis, aconchegando-a pela terceira vez naquela noite.

— Como é que não existe fim? - Kass perguntou de novo, dando sinais de estar mais desperta do que nunca.

Gwendolyn levantou-se e arrumou a cadeira onde estava sentada para o canto do quarto. Depois respondeu:

— Bem... a história ainda não acabou. O Rei Arthur ainda pode nascer de novo.

— Quando?

— Quando Albion mais precisar. - a sua mãe respondeu, pacientemente. Mantinha-se encostada ao batente da porta, na esperança de aproveitar os primeiros momentos de silêncio da filha para lhe desejar uma boa noite e a obrigar a fechas os olhos para tentar dormir.

— E onde é Albion? - uma vez mais, a menina, de apenas seis anos, tinha uma pergunta na ponta da língua. Desde os seus quatro anos de idade que era conhecida, na pequena vila onde vivia, por não se contentar com uma resposta monossilábica. Era por essa mesma razão que todas as pessoas que a conheciam e que não tinham um pingo de paciência dentro delas, já tinham aprendido a ignorá-la quando uma conversa começasse a ser constituída por um número invulgar de perguntas.

— Albion era o que as pessoas antigas chamavam ao Reino Unido. - Kass assentiu, satisfeita com a resposta, mesmo embora não percebesse quantos anos uma pessoa teria que ter para ser considerada antiga e não soubesse exatamente onde ficava esse tal de Reino Unido.

— E...

— Kass, querida... precisas mesmo de dormir. - Gwendolyn, ou Gwen, como era tratada por toda a gente desde que era pequena, pelo simples facto do seu nome ser estranho demais para ser pronunciado de maneira correta por maior parte das crianças, interrompeu. - Amanhã é dia de escola.

— Só mais uma pergunta! - a criança implorou, saltando na cama quando viu a sua mãe pronta para apagar a luz.

— Devias ouvir o que a tua mãe te diz. - uma voz soou antes mesmo que o seu dono entrasse no campo de visão de ambas as mulheres, mas não foi preciso mais nada para acalmar Gwen. Ela sabia que, naquele momento, tinha chegado de um longo dia de trabalho a única pessoa capaz de adormecer Kassidy. Mark, o seu marido, era conhecido por ser um contador de histórias nato e, como se isto não lhe bastasse, era um dos historiadores mais requisitados de todo o Reino Unido.

— Ainda bem que chegaste... - a mais velha sussurrou-lhe, entre dentes, enquanto se cumprimentavam com um beijo suave.
Ele riu-se.

Encaminhou-se, então, para junto da sua filha, sentando-se numa beirada da cama.

— A lenda do Rei Arthur, hum? - perguntou, após ter um vislumbre do livro que ainda repousava junto a uma foto de família sem moldura.

— A minha favorita! - a pequena sorriu, abertamente. Já lhe tinha caído um dente de leite e, ou a sua mãe muito se enganava, ou dali a uma semana a fada dos dentes teria que fazer uma nova visita àquela casa.

— A sério? A minha também!

Os dois riram, cúmplices.

Gwen continuava a olhar para as duas pessoas mais importantes da sua vida junto da porta, pensando na sorte que tinha tido na vida até àquele momento.

— Pai?

— Hum?

— O que é que aconteceu ao Merlin? - Kass inquiriu, ainda na promessa de que aquela seria a última pergunta do dia.

— Bem, diz-se que ele ainda vagueia por aí à espera que Arthur nasça de novo. Diz-se que Merlin é imortal e que é o único ser no mundo que ainda possui magia!

Kassidy ouvia atentamente as palavras que saiam da boca da pessoa que mais admirava. Secretamente, quando fosse mais velha, queria ser como ele. Inteligente. Aventureiro. Um ótimo contador de histórias.

— E sabes que mais? - a menina negou, abanando com a cabeça. - Diz-se que Arthur foi enviado para Avalon quando morreu. Hoje, muita gente acredita que Avalon era em Glastonbury! Se formos em direção ao coração da floresta damos de caras com Glastonbury Tor.

— Já foste lá, pai?

Mark coçou a nuca. Mantinha um sorriso no rosto.

— Não, minha querida.

— Porquê?

— É uma floresta muito grande. Nunca ninguém conseguiu provar que Avalon existe. - olhou, então, pela janela do quarto da filha, onde, ao longe, muito perto da linha do horizonte, podia ver a primeira linha das copas das árvores da floresta de Glastonbury.

Ao longo dos tempos muitos tinham lá entrado para provar a sua teoria. Mark tinha-se dedicado ao estudo de documentos e diários de pessoas que se atreveram a adentrar a tamanha floresta para dar razão àquela lenda fantástica, no entanto, nenhuma daquelas histórias tinha um fim. E só havia uma razão para isso: quem foi para o coração de Glastonbury não tinha voltado.

— Pai?

O homem acordou dos seus pensamentos. Os olhos da sua filha brilhavam em direção aos seus, no entanto, podia notar um pequeno sinal de desapontamento neles.

— E se não for real?

— Cabe-te a ti acreditar. Quando acreditas em algo, mais cedo ou mais tarde, isso torna-se realidade.

AvalonWhere stories live. Discover now