Perdi As Chaves Da Baia

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Empino um Velho Barreiro na esquina da João Alfredo, o líquido desce lento pela minha garganta, passa pelo esôfago e repousa uniforme na parede enervada do estomago. Limpo as lágrimas de meus olhos e acompanho com relutância toda a agitação desse lugar

Essas pessoas simplesmente caminham na margem oposta da rua e se somem na escuridão dos bares. Eu sigo adiante nesse caminhar, torpe, sem um objetivo específico que não seja sentir esse momento exato, preciso, de fuga quase absoluta.

Pelas ruas, ideias se articulam e se desvanecem, vagas, luminescentes, como o rastro efêmero de um vaga lume. Embalagens de plástico rodopiam pela rua, em indefinido curso arrastados pelo vento. Coloco um cigarro entre os lábios, sinto a textura do papel na minha boca , peço fogo, a fumaça tênue se contorce no ar e desaparece no espaço amplo.

Há toda um ordem que se desenvolve na frente de meus olhos: entre os carros que seguem frenéticos para algum lugar, dobrando esquinas vazias; entre conversas furtivas de pessoas levemente embriagadas; entre lâmpadas e exaustores em seu trabalho mecânico, silencioso; entre diálogos que mal compreendo de pessoas que jamais vi e que certamente jamais tornarei a ver.

Mas ninguém que conheço é capaz de tocar o pesar que sinto quando a noite desaba sobre a esquina da avenida. Ninguém, em absoluto. Então suspendo o copo com exatidão suficiente apenas para sorver o trago sem derramá-lo. Um filete escorre pelo canto direito da minha boca, e não me apresso em limpá-lo, porque agora sou livre e cambaleio com minha liberdade pela calçada irregular da avenida.

Será que você teria mais um cigarro para me conseguir? Teria mais um gole de vinho para me apoiar? Teria um coração sombrio o suficiente para me entender debaixo da escuridão fria do céu?

Mas ninguém percebe a tristeza das ruas gritando no sopro do vento, no olhar vago do mendigo no movimento esquivo da deficiente 

Caminhar mais um pouco e observar uma nota de tristeza no momento exato de seu nascimento sobre a luz baça do poste, 

E Ela, com toda a amargura do mundo, parada na esquina, fumando lentamente seu cigarro, com todo seu tédio, com todo o brilho raro dos olhos

Aproximo-me, seus finos lábios articulam-se

Nada mais resta do mundo









Fria Lâmina  (Vaga Poesia)Onde histórias criam vida. Descubra agora