Capítulo Dois

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•────── O Primeiro Café ──────•

Eu o via chegando e saindo do escritório quase todos os dias mas não tivemos contato. Daniel parecia realmente importante (por mais impressionante que isso fosse) e Alice mordia a língua toda vez que ele aparecia.

Era sexta à noite e chovia fraco lá fora. Eu encarava as gostas escorrerem lentamente na janela enquanto terminava de ajeitar os papéis. Eu havia acabado um trabalho de semanas de revisão de um conto e estava nada menos do que orgulhosa.

Em compensação, eram quase nove da noite e eu era a única que estava ali, com quase todas as luzes apagadas e a vista da cidade e seus prédios iluminados.

Ou ao menos era o que eu pensava antes de o ver saindo de sua sala, quase tropeçando de sono com olheiras fortes debaixo dos olhos castanhos e o topete desarrumado. Daniel tentava não esbarrar em nada enquanto coçava o olho e andava na direção da cafeteira.

Sem me notar, ele passou por mim e tropeçou numa caixa ao lado da minha mesa, caindo com tudo no chão e derrubando todos os papéis que eu tinha acabado de organizar.

Eu me levantei num pulo, cruzando as mãos num gesto nervoso.

–Tudo bem? – perguntei, me abaixando para tentar averiguar a situação.

–Ótimo, perfeito! – ele falou, o tom sarcástico nítido na voz. Daniel se sentou no chão resmungando, com a mão tocando de leve a testa machucada. Após se recuperar do tombo, levantou os olhos em minha direção e, ao me ver, sua careta se intensificou. 

–E é claro que alguém viu meu tombo. Maravilhoso.

O tom de ironia em sua voz me fez soltar uma pequena risada, e eu levantei, esticando o braço para o ajudar a fazer o mesmo. Pela primeira vez em meu tempo o observando ele parecia quase envergonhado. Foi extremamente fofo e me fez ficar vermelha também. Num gesto incrivelmente tímido ele coçou a nuca e abaixou, catando todas as folhas. Eu queria dizer que agi como nos filmes o ajudando a arrumar, mas apenas peguei a caixa e a coloquei num canto, me sentindo culpada demais para dizer algo.

Minha bagunça causou um acidente de trabalho, afinal.

–Desculpa ter derrubado suas coisas. – murmurou, enquanto empilhava a última caixa.

Eu ergui as sobrancelhas, meio surpresa. Ele não tinha jeito de quem pede desculpas desde aquela época, e eu achei estranho tê-lo feito por mim.

-E-e-eu que deixei aquela caixa no corredor,  e-e-e eu achei que não tinha mais ninguém aqui e-e.... –Eu comecei a gaguejar e travar durante minha explicação, e seu cenho franziu me observando.

Ao notar meu nervosismo, um sorriso de canto surgiu em seu rosto e ele se aproximou de braços cruzados e olhar intimidador. Seu rosto ao contrário, parecia extremamente divertido, como se tivesse acabado de entender tudo.

–Ah, então a culpa é sua? Então é você que tem que pedir desculpas? – seu tom era acusador, mas seus olhos deixavam claro o divertimento.

Eu afirmei com a cabeça e ele ergueu as sobrancelhas, o sorriso ainda maior em seu rosto.

Sem conseguir o encarar, encolhi meus ombros e disse "Desculpa" em um sussurro.

–O que você disse? – Ele se fez de bobo, colocando a mão no ouvido em forma de concha.

–Desculpa – falei um pouco mais alto.

–Eu não ouvi direito, você pode repetir?

Daniel já quase não conseguia conter mais sua risada.

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