•────── O Primeiro Café ──────•
Eu o via chegando e saindo do escritório quase todos os dias mas não tivemos contato. Daniel parecia realmente importante (por mais impressionante que isso fosse) e Alice mordia a língua toda vez que ele aparecia.
Era sexta à noite e chovia fraco lá fora. Eu encarava as gostas escorrerem lentamente na janela enquanto terminava de ajeitar os papéis. Eu havia acabado um trabalho de semanas de revisão de um conto e estava nada menos do que orgulhosa.
Em compensação, eram quase nove da noite e eu era a única que estava ali, com quase todas as luzes apagadas e a vista da cidade e seus prédios iluminados.
Ou ao menos era o que eu pensava antes de o ver saindo de sua sala, quase tropeçando de sono com olheiras fortes debaixo dos olhos castanhos e o topete desarrumado. Daniel tentava não esbarrar em nada enquanto coçava o olho e andava na direção da cafeteira.
Sem me notar, ele passou por mim e tropeçou numa caixa ao lado da minha mesa, caindo com tudo no chão e derrubando todos os papéis que eu tinha acabado de organizar.
Eu me levantei num pulo, cruzando as mãos num gesto nervoso.
–Tudo bem? – perguntei, me abaixando para tentar averiguar a situação.
–Ótimo, perfeito! – ele falou, o tom sarcástico nítido na voz. Daniel se sentou no chão resmungando, com a mão tocando de leve a testa machucada. Após se recuperar do tombo, levantou os olhos em minha direção e, ao me ver, sua careta se intensificou.
–E é claro que alguém viu meu tombo. Maravilhoso.
O tom de ironia em sua voz me fez soltar uma pequena risada, e eu levantei, esticando o braço para o ajudar a fazer o mesmo. Pela primeira vez em meu tempo o observando ele parecia quase envergonhado. Foi extremamente fofo e me fez ficar vermelha também. Num gesto incrivelmente tímido ele coçou a nuca e abaixou, catando todas as folhas. Eu queria dizer que agi como nos filmes o ajudando a arrumar, mas apenas peguei a caixa e a coloquei num canto, me sentindo culpada demais para dizer algo.
Minha bagunça causou um acidente de trabalho, afinal.
–Desculpa ter derrubado suas coisas. – murmurou, enquanto empilhava a última caixa.
Eu ergui as sobrancelhas, meio surpresa. Ele não tinha jeito de quem pede desculpas desde aquela época, e eu achei estranho tê-lo feito por mim.
-E-e-eu que deixei aquela caixa no corredor, e-e-e eu achei que não tinha mais ninguém aqui e-e.... –Eu comecei a gaguejar e travar durante minha explicação, e seu cenho franziu me observando.
Ao notar meu nervosismo, um sorriso de canto surgiu em seu rosto e ele se aproximou de braços cruzados e olhar intimidador. Seu rosto ao contrário, parecia extremamente divertido, como se tivesse acabado de entender tudo.
–Ah, então a culpa é sua? Então é você que tem que pedir desculpas? – seu tom era acusador, mas seus olhos deixavam claro o divertimento.
Eu afirmei com a cabeça e ele ergueu as sobrancelhas, o sorriso ainda maior em seu rosto.
Sem conseguir o encarar, encolhi meus ombros e disse "Desculpa" em um sussurro.
–O que você disse? – Ele se fez de bobo, colocando a mão no ouvido em forma de concha.
–Desculpa – falei um pouco mais alto.
–Eu não ouvi direito, você pode repetir?
Daniel já quase não conseguia conter mais sua risada.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Antônimos
RomanceAurora tem um sonho. Ela almejou ser escritora e editora no mesmo momento em que aprendeu o que era escrever e, desde então, nada a parou. Apesar de sua timidez ela carrega consigo o bom humor e a determinação do pai que a ensinou a nunca desistir...