Capítulo 1

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Será que a paixão é algo bom a ser vivido? Alias, será que sentirei algo parecido algum dia?

Sempre fui avessa a sentimentos intensos. Quando ainda adolescente e morava no orfanato do Mato Grosso, as coisas não eram nenhuns terços fáceis. Aquele lugar só me ensinou a ter pensamentos negativos, neutros…
   Não tive amor de pai ou de mãe, para falar a verdade, não sei dizer ao certo o que é isso. Eu, Ariella Lavínia, sem muitas ambições na vida, sem muita sabedoria, sem muitos sentimentos… só esperava ansiosamente o dia em que eu mudaria, e sentiria amor, daria amor.
   E agora, arrumando as minhas coisas na mesa da recepção da empresa onde trabalho, penso que deveria apenas deixar a minha vida seguir, não importa o meu destino, viver o presente com simplicidade, harmonia, mesmo que solitária.
  Liguei o computador, ajeitei o meu coque e acenei para alguns acionistas que iam direto para o elevador.
—  Bom dia para a recepcionista mais gata da Gauthier’s. —  Camilly me olha com seu lindo sorriso e seu já conhecido bom— humor matinal.
—  Mas, espera… eu sou a única recepcionista daqui. —  ela ri e joga beijinhos, enquanto entra no elevador.
  Camilly é a secretária pessoal do grande Benjamin Gauthier, dono dessa empresa e mais umas dez espalhadas pelo Canadá. O homem mais sério e carrancudo que eu já conheci.
E falando em geleira da Antártida…

— Bom dia, senhor Gauthier. —  o homem de smoking preto me olha sem expressão nenhuma, mas já estou acostumada o suficiente para aguentar tudo aqui dentro dessa empresa.
— Bom dia, senhorita. —  deve ser o cumprimento mais caloroso que já recebi de sua parte. Ele desvia o olhar e anda até o elevador com sua elegância única, apertando o botão do último andar.
  Depois de alguns minutos, vou até a cafeteria pegar o mais delicioso café que já experimentei na vida, sem ele é capaz de eu ficar o dia inteiro de mal— humor. Chegando lá encontro Samuel, ele que deve ter o mesmo estado de espírito do poderoso chefão e o sabe tudo na área de informática.
—  Bom dia, Samuca.
—  O que passa em sua cabeça em me chamar assim? —  eu não disse. Seu olhar zangado combina muito com sua testa franzida.
—  A não ser o gosto de te irritar? —  pergunto sorrindo alegre como um pássaro livre. Passo por ele indo até a cafeteira e deixo minha xícara encher— se do café expresso.
—  Não sei ainda porque eu te aguento, garota.
—  É amor.
—  Nem fodendo. —  me viro em sua direção dando risada e quando máquina apita, pego meu café e ando alguns passos até ele.
—  Seu humor está mais afiado do que o normal. O que aconteceu? Hayley implicou com você de novo? —  provoquei — o. Samuel e Hayley eram como cão e gato, viviam se pegando, e é claro que isso foi duplo sentido. Hayley também é minha amiga aqui na empresa, ela é do RH.
—  Nem me fale dessa diaba. Você sabe que eu não gosto dela. —  disse e deu um gole em seu café.
—  Ah, eu não sei de nada. Sabe, ontem vi ela no maior papo com Thomaz. Eles combinam bastante, você não acha? —  eu adorava fazer aquilo. A veia em sua testa quase saltou. Olhei bem em seus olhos vendo a irritação neles.
—  Um puxa— saco do outro. Combinam muito. —  e o ciúmes reina novamente.
  Ri um pouco.
— Me divirto muito com a novela de vocês. Só espero que o final seja como eu imagino.
—  Você é louca, garota.

—  Devo ser mesmo. —  sorri e fiz menção em sair, mas aí lembrei de algo que pudesse não só o provocar, mas também colocar uma pulguinha atrás de sua orelha — Ah, mas não se preocupe, na minha opinião ela também é louca, louquinha por você.
  Pisquei e pude vislumbrar o seu olhar duvidoso antes de atravessar o saguão e ir para o hall da entrada. Chegando em minha mesa, estava tudo no mesmo, sem telefonemas ou e— mails.  Organizo as correspondências e pacotes para mandar lá para administração. Meu trabalho é muito simples aqui na empresa, mas muito eficaz, tanto para mim quanto para meus superiores.
  De cabeça baixa, agendo os horários de reuniões para passar a Camilly, para o RH e outros departamentos.
— Oi, princesa. — Aiden debruça sobre a repartição da mesa e alcança a minha bochecha com os lábios.
— Aiden! Já disse para não me cumprimentar assim no trabalho. — não adiantava quantas vezes eu o alertasse, era sempre a mesma coisa.
— E eu já disse que não me importo. — falou balançando os ombros com cara de paisagem.
— Você não tem jeito mesmo. — sorri negando com a cabeça.
— É meu charme.
— OK, senhor charmoso, agora vá trabalhar.
— Certo. Até mais, princesa.
  Ele pisca e anda para o elevador. Foco minha visão inteiramente em suas costas largas. Aiden é o caminho inteiro de uma perdição sem fim, mas eu preservo nossa amizade e um relacionamento abalaria essa conexão que construímos ao longo do tempo. Antes das portas se fecharem, ele me dá um largo sorriso. Encaro as portas metálicas e os números que sobem até o andar onde Aiden trabalha.
— Olha só quem tá babando o próprio amigo… — Me assusto e olho rapidamente para o lado contrário encontrando os olhos aveludados de Desirée, ela parece ser desmiolada as vezes, acho que é por isso que gosto tanto dela.
— Bom dia para você também, Desi. — ignoro completamente seu comentário, o que faz ela me olhar torto por instantes.
—  Espero que seja um bom dia mesmo, viu? Hoje tenho que limpar as escadas, os banheiros e a sala do doutor Tomaz, tirando aquelas limpezas mais pequenas. — diz fazendo cara de desgosto e depois suspirando.
— Olha, então somos duas atoladas em trabalho. Deixei acumular ontem por causa da minha enxaqueca.
— Você está melhor? — pergunta se aproximando e me olhando preocupada.
— Claro, já  até me acostumei. É normal, venho tendo alguns estresses por causa do serviço, mas já está tudo bem.
— Não sei não… você precisa ir no médico para ver isso.
— Não se preocupe, minha linda. — toco sua mão com uma sensação de bem estar. — então quer dizer que hoje você vai limpar a sala do doutor Gominhos? — pergunto desviando do assunto central e ela sorri corando.
— Você não cansa de me zoar mesmo, hein? Acho melhor eu colocar meu uniforme e pegar a vassoura, beijos. — diz saindo apressada e acabo caindo na risada.
  Esse apelido que ela mesma colocou no Tomaz, foi inventado depois do dia em que Desirée o flagrou apenas com os trajes de baixo. Ela ficou o dia inteiro suspirando naquele dia, o que foi uma diversão em tanto para mim.
  As horas passam preguiçosas e eu conto cada minuto que se aproxima do almoço. Estou morrendo de fome, cansada de ficar sorrindo toda vez que alguém vem pedir informações ou dúvidas sobre algo relacionado a empresa, tirando as outras mil coisas que tenho que fazer em um piscar de olhos. Porém, eu não poderia reclamar, esse emprego foi conquistado por mim, com muito esforço e eu adoro fazer o que eu faço. Aqui, eu fiz mais amigos do que meus 18 anos inteiros no Brasil.
  A moça que sempre me substitui na hora do almoço e quando meu expediente acaba, chega. Cumprimento— a e pego minha bolsa. Arrumo minha saia lápis e caminho para a porta de saída da empresa. Lá fora, o sol brilhava bem no centro do céu, mas o ar frio me arrepiou assim que coloquei os pés na calçada. Cruzo os braços e caminho atravessando a faixa de pedestre. Meu telefone vibra dentro da bolsa e logo luto contra as milhares de coisas que tem dentro dela, apenas para encontrar meu celular.
— Oi Aiden.
— Onde você está?
— Estou indo para o restaurante aqui no quarteirão.
— Certo. Já te alcanço. — antes de eu conseguir responder, ele desliga.
  Não adianta nada eu dizer o tanto que odeio quando ele faz isso.
  Frustrada, jogo meu telefone de volta para dentro da bolsa. Antes de eu pôr o pé para dentro do restaurante, sinto um braço pesar em meus ombros e logo me assusto olhando para o intruso ao meu lado.
— Nossa! Quase não te alcancei. — diz com a respiração pesada.
— Aiden, desgruda… — reclamo.
— Nossa, que mal humor.
  Reviro os olhos para ele e empurro a porta de vidro já avistando de longe, a minha mesa preferida, que por sorte estava vazia. Sentamos de frente para o outro e pego um dos menus passando os olhos pelas opções.
— O que vai pedir?  — pergunta ele.
— Salada e macarrão. E você?
— Carne, com certeza. — Aiden é um apaixonado por carnes, já eu, aprecio os vegetais. — Você vai querer treinar hoje?
— Se eu não estiver muito cansada, apareço por lá. 
   Desde a primeira vez que o vi ensinando as crianças a lutar Muay Thai, logo me interessei. E mesmo ele dando prioridades aos pequenos, ele não exitou em me ensinar também, então, alguns dias da semana apareço na academia onde ele trabalha nas horas vagas. Conheci Aiden há oito meses e desde o primeiro dia, nos damos bem. Ele é o tipo de cara que sempre está de bem com a vida, nunca o vi bravo ou gritando com alguém. Quando penso nele, logo me vem seu sorriso brincalhão e seus olhos expressivos da cor de amêndoas.
— No que está pensando? — pergunta depois de ter recebido seu prato. O garçom deposita minha refeição em minha frente nos desejando uma boa refeição e sai em seguida. Olho para meu amigo vendo sua sobrancelha levemente alterada.
— Em uma técnica de te derrubar usando apenas um punho. — falo séria e ele cai na gargalhada chamando a atenção dos granfinos sentados ali perto.
— Desculpa, bebê, mas é impossível.
— Nunca diga nunca, já disse isso a você. — pego meu garfo e percebo que ele ainda se recupera de seu riso.
— Sabe, eu queria pedir uma opinião a você. — levo a comida a boca e balanço os ombros.
— Interessante. Você não me pede opinião em nada que você faz.
— Vai me ajudar ou não? — minha atenção é desprendida da minha comida e olho a criatura humana em minha frente, com mal vontade, só para acrescentar.
— Sou seus ouvidos. — ele sorri satisfeito.
— Estou afim da minha ruivinha colega.
  Ele só pode estar de brincadeira!

— Só lamento. Não entendi o que eu tenho a te oferecer com opiniões.
— É que bem… eu queria fazer tudo certo com ela e não só pegá-la em um dia e esquece— la no outro, mas não tenho nenhuma ideia de como eu posso começar algo que nunca fiz. — ao ouvir aquelas palavras, parece que algo queimou em meu peito. Como se fosse um pressentimento ruim.
Fico um pouco desconfortável com aquela sensação que me toma.
— Não sei se tenho… conselhos para relacionamentos. Como você sabe, eu não sou nenhuma entendedora do assunto. — falo sincera. Mesmo que eu soubesse de algo, não sei se falaria.
  Se ele começasse algum relacionamento, com certeza eu seria largada de lado. Aliás, que mulher quereria que a outra ficasse de amizade com seu homem? 
— Olivia parece ser muito especial…  — Mas que inferno! Isso não me importa, então, quê explicação seria certa para isso que estou sentindo? — Ela tem um jeitinho meigo que mexe muito comigo. — completa um pouco fora de órbita.
  Ok, é certo que essa declaração não me faz bem, mas o que há comigo, afinal? Aiden ficava com quem ele bem entendesse, não me importo e nem é da minha conta.
— E… ela sabe dessa sua quedinha? — ele sorri todo alegre antes de responder.
— Ainda não, mas ela vai saber, de um jeito ou de outro.
  Acenei brevemente com a cabeça e voltei a comer. Devia estar feliz por ele, apoia- lo e eu me sinto egoísta em não querer ajudá- lo.

Flama - Paixão que EnlouqueceOnde histórias criam vida. Descubra agora