Capítulo III

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Estamos andando um ao lado do outro pelos corredores do Colégio e posso sentir vários olhares interessados voltados para nossa direção durante o pequeno percurso. Pelo canto dos olhos, visualizo Daniel e ele não parece se incomodar nenhum pouco que as pessoas estejam nos observando e criando teorias em suas mentes fofoqueiras. De repente, ele olha para mim e eu desvio o olhar levemente ruborizada.

- Você mora aqui há muito tempo? – questiona, repentinamente.

- Oi? – eu o observo e os olhos azuis estão a me encarar ansiosos. - Ah, sim. Moro aqui desde que nasci. Meu pai pertence a uma das famílias fundadoras de Lakewood, os Mitchel, e minha mãe é de Nova York, ela veio morar aqui depois de casada. Os dois se conheceram em Yale.

- Uau! Yale? É uma excelente Universidade! O que eles fizeram por lá?

- Além de duas filhas? - rio ironicamente. - Bem, meu pai cursou contabilidade e minha mãe Direito. Ele é sócio do atual prefeito no escritório de advocacia e contabilidade, Stuart & Mitchel, que fica na rua principal, e ela é juíza. E quanto a você? O que fez sua família se mudar de Chicago para nossa humilde e provinciana cidade? - Ele ri do que eu disse e responde:

- Bem, acho que foi um pouco de tudo, a violência, a poluição, a agitação... Com o tempo eles foram se cansando de tudo isso e, como já tinham uma relação antiga com Lakewood, resolveram se refugiar aqui.

- E você não se importou com essa mudança? – questiono interessada.

- No começo não, até gostei, gosto dessa vida mais tranquila. Mas, depois que a ficha caiu, que eu realizei que teria que deixar meus amigos e minha namorada e que estaria a mais de 500 km de distância deles, eu comecei a não gostar da ideia. Mas, acho que ninguém, a não ser que a pessoa esteja fugindo de algo, gosta muito de mudanças, não é mesmo?

Por algum motivo estranho, a palavra "namorada" me incomodou sobremaneira, mas eu consegui disfarçar a contento e continuei a conversa:

- Não sei se diria ninguém, talvez a maioria não esmagadora, ouso dizer. Para algumas pessoas uma mudança pode revelar mais do que uma fuga, pode ser como um resgate ou uma segunda chance para construir o seu fantástico. Nem sempre isso quer dizer que a pessoa está fugindo de algo, pode significar somente que ela queira algo mais.

- Seria assim para você?

- Talvez. É possível que você seja feliz, que não tenha nada do que fugir, mas que queira mais do que tem.

- Deixe-me adivinhar: Lakewood é pequena demais para seus sonhos?

Olho para ele e não contenho o sorriso.

- Provavelmente.

Ele fixa seus olhos em mim e sorri em compreensão. Algo dentro de mim se abala com aquele sorriso acolhedor.

- Mas, então, você tem uma irmã mais velha? Ela já está na faculdade?

- Não, minha irmã não é mais velha. Por que pensou isso?

- Bem, você disse que seus pais fizeram filhas, no plural, enquanto estavam em Yale. Então, ou você é a mais velha e morou em Connecticut por um tempo, o que acho não ser a hipótese correta, já que disse morar aqui desde que nasceu, ou é a mais nova que foi concebida lá, mas nasceu aqui, então, sua irmã é a mais velha. – rio de seu raciocínio quando ele termina de falar.

- Certo. Você leva jeito para investigador. Deveria investir nisso. FBI ou, quem sabe, a CIA. Já pensou em ser espião?

- Na verdade, eu quero ser policial. Mas, você não me respondeu. – ele me olha com a testa enrugada e a curiosidade estampada no rosto.

- Eu sou a mais velha. Nasci sete minutos antes de minha irmã, somos gêmeas. – então, sua expressão investigativa ganha ares de clareza, como se ele tivesse acabado de desvendar um grande mistério. Sorrio por isso. – Somos muito parecidas, você deve ter visto ela na sala de aula.

- Não, não vi. Vi somente você. – diz com os olhos fixos nos meus e eu ruborizo levemente, desviando o olhar. Paro na porta da sala de biologia e olho para trás. O grupo de Samantha está, nem um pouco discretamente, olhando para nós. Volto meu rosto para Daniel e aponto o grupo com a cabeça.

- Ali está ela, a de blusa branca. O nome dela é Samantha e é bastante popular, logo vai conhecê-la.

Ele analisa o grupo por alguns instantes e as amigas de minha irmã logo começam o ritual de "apavoneamento", tão típico de adolescentes tolas. Minha reação é apenas um discreto revirar de olhos.

- Vocês são realmente idênticas. – ele diz, voltando seu olhar para mim.

- É verdade. – respondo simplesmente.

- Deve ser estranho ter alguém tão parecido com você andando pelo mundo. Vocês devem nutrir uma grande necessidade de se destacarem uma da outra.

Olho para ele e sorrio. Ninguém nunca havia sido tão sincero ou tão analítico. Todos sempre dizem como deve ser maravilhoso ter alguém tão parecido conosco, alguém com quem possamos dividir tudo, alguém que seria como um complemento nosso. O que todos não sabem é que, tanto eu quanto Samantha, somos pessoas completas, indivíduos autônomos e eu luto por isso todos os dias, luto pela minha individualidade. Talvez isso atrapalhe nosso relacionamento, nos distancie, mas essa sou eu querendo ser única.

- Bem, você está entregue. – corto nossa pequena conexão. – Agora eu vou para a minha sala. Foi um prazer conhecê-lo, Daniel. - estendo a mão em cumprimento.

- O prazer foi meu, Sofia. - ele aperta minha mão e me banqueteia com aquele sorriso magnífico.

Nesse exato momento, sinto uma infestação de borboletas no meu estômago e elas fazem um grande estardalhaço porque o garoto mais bonito sobre o qual meus olhos já repousaram está tocando-me e sorrindo para mim. Sorrio em retribuição e sigo rumo ao meu destino: a aula de Química. Entro na sala e quando o professor começa sua explanação, vislumbro horas difíceis pela frente. Como me concentrar quando não consigo esquecer um certo par de olhos azuis magnéticos?


Apavoneamento: Essa palavra não existe na língua portuguesa, trata-se de um neologismo.

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