Em meio a tantos cenários que imaginava em minha cabeça, esse era o que eu achava mais improvável. Pensar que finalmente me mudaria, que me afastaria daqueles que por anos me prejudicaram, parecia apenas um sonho distante, um passatempo de uma adolescente desesperada por dissociação da realidade que a deixava infeliz.
Quando ingressei na faculdade de Direção de Artes, com apenas 17 anos, e morrendo de medo da desaprovação de minha família, não imaginei se chegaria longe. Eu esperava chegar, tão distante quanto possível, e agora vivo os frutos do que essa esperança me trouxe.
Eu sempre tive o sonho de conhecer a Escócia, talvez me casar lá, em algum lugar entre as paisagens verdes e antigas, mas morar naquele país nunca passou pela minha cabeça. No entanto, depois da publicação do meu livro, eu recebi a proposta mais maluca que já ouvi na vida.
Eu sempre pensei em The Reign como o trabalho mais defeituoso que eu já escrevi, mas pareceu ter chamado a atenção de muita gente! O sucesso do livro me surpreendeu, mas eu fiquei mais feliz por alcançar minha almejada tão independência. Em pouco tempo o livro havia se tornado um best-seller nacional, em muito menos tempo estava sendo publicado internacionalmente, para minha surpresa várias pessoas realmente gostaram. Pessoas suficientes pra fazer com que David Yates propusesse um filme. Um freaking filme!!
Se eu não tivesse aceitado seria uma tola, mas mesmo assim não consigo deixar de imaginar milhares de cenários catastróficos em minha cabeça quanto ao futuro incerto que eu havia decidido. Estando agora em um avião, voando para a Escócia, distante do meu país, amigos, e também família; a insegurança é inevitável. Mas eu não sabia se teria outra oportunidade, se queria fugir daquela vida eu não podia olhar pra trás.
Finalmente depois de tantos anos, entre faculdade e livros, duas carreiras e sanidade mental, consegui alcançar o maior sonho de toda a minha vida. Freaking David Yates quer dirigir um filme que conta a história de The Reign, e me pediu pra supervisionar roteiro e produção.
O filme será gravado na Escócia, na maior parte do tempo. Aparentemente, as paisagens de Edimburgo e redondezas se pareciam muito com a descrição de Piterum, o país fictício descrito no livro.
Quando chego na Escócia, pela primeira vez, sozinha, ofegante e ansiosa, começo a contar de dez em dez para distrair minha mente do quão incerta repentinamente me sinto, além de amedrontada.
No hall de espera vejo um homem de meia idade, alto e de cabelo escuro, com uma plaquinha com meu nome nas mãos, no meio da multidão de pessoas segurando plaquinhas.
- Kiara Santana? - ele me pergunta, se aproximando.
- Sou eu! - eu digo com um sorriso, tentando ser simpática.
- Eu sou um grande fã.
- Aha mesmo? Obrigada - respondo, com uma risada envergonhada. Eu ainda não me acostumei com essa parte.
- Pode me seguir, eu levo a bagagem lass.
- Thank you, Mr...? - deixo um espaço para que ele me diga seu nome.
- Mackenzie, lass¹.
- Okay, então obrigada Mr. Mackenzie.
- O prazer é meu, lass. - ele me responde educadamente, enquanto leva minhas malas para o carro.
Mr. Mackenzie era um funcionário da Yates Productions Studios, a empresa recém criada de David Yates, que idealizara a adaptação do livro. Eles queriam ter certeza de que eu chegaria ao hotel em que a equipe toda se hospedava. David mesmo me recepcionaria hoje, mas aconteceu um imprevisto e ele mandou seu motorista. Assim que Mackenzie termina de guardar a bagagem, abre a porta de um Jeep Gran Cherokee preto para que eu possa entrar. Logo que me acomodo em meu assento, ouço o toque de meu celular:
Incomming call from Mom, leio no identificador de chamadas.
- Oi mãe!
- Oi minha filha, já chegou? - eu rolo meus olhos com a pergunta da minha mãe, se tenho sinal pra receber a chamada eu obviamente cheguei.
- Já sim, estou com o David. - menti, com preguiça de explicar a história toda pra ela.
- Tudo bem, quando chegar me avisa.
- Aviso, pode deixar. Beijo mãe!
- Tchau Kiara. - ela se despede, e eu desligo.
- O brasileiro é uma língua difícil de aprender? - perguntou Rupert, curioso eu suponho, depois que desliguei o celular.
- Na verdade é português, e... dizem que sim. Eu não saberia te dizer, é a minha primeira língua. - o respondo, corrigindo o erro que a maioria dos estrangeiros insistia em cometer.
- Portuguese? Pensei que era só em Portugal! - ele comentou, mais como uma pergunta.
- Fomos colonizados por Portugal, no fim é quase a mesma língua, a diferença é pouca.
- Ual que interessante, eu não sabia disso!
- Muita gente não sabe nada sobre o Brasil. - demonstro chateação na minha resposta, eu estou ansiosa hoje e não sei se tenho energia para acompanhar a conversa.
Ele continuou a "puxar conversar" por um bom tempo até chegarmos a Craig na Dunn. O hotel é enorme e muito bonito, meu quarto não é nada luxuoso, mas tem uma grande diferença dos hotéis que eu estava acostumada a frequentar. Este quarto é muito maior e muito bonito, a decoração rústica me fazia realmente sentir na Escócia.
Mr. Mackenzie havia dito que o check-in seria feito por ele e eu não precisaria me preocupar. No fim do dia recebo uma visita de David, ele me recepciona com um aperto de mão, como das outras vezes que nos vimos, e me lidera em um tour pelas acomodações do hotel.
Estranhei por não encontrar mais pessoas da equipe naquele andar, mas quando questionei David quanto ao assunto, descobri que as gravações só começariam em um mês. Então eu podia me aventurar pela Europa nesse meio tempo, e voltar um ou dois dias antes de tudo finalmente começar.
Depois de mandar mensagens para minha mãe e amigos, avisando que estava na Escócia e já havia feito check-in no hotel, resolvo que daria uma volta por Edimburgo. Além de precisar de um tempo a sós com meus pensamentos, quero muito conhecer o lugar que será meu novo lar nos próximos meses.
***lass¹: pronome de tratamento que significa madame, moça, dama ou senhorita na variação do inglês da Escócia
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The Skye Boat Song | Degustação
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