Confecção

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Em uma quadra de basquete no subúrbio de
Uma dessas cidades que têm subúrbios
Um gatinho azul se concentra quicando um coração rubro no chão,
Os olhos semicerrados estudando um arremesso
O sangue espirrando pra fora cada vez que o coração vai de encontro ao chão
Manchando a quadra com nódoas escarlates

Mas antes de arremessar – intentando marcar o primeiro ponto contra ele mesmo
Ocorre-lhe uma reflexão para lá de incomum, insólita
“Vou confeccionar um arremesso. Confeccionar... Super legal o encontro dos dois ‘c’ nessa palavra, ein? Tipo um casal gay”
Mas quem confecciona arremessos?
“muitas gentes, na verdade”
Mas ninguém fala que vai confeccionar
“é, é... acho que é preconceito”
Como assim?
“ora, como! É uma palavra gay, as pessoas não falam por isso”

Cabe nessa essa divagação do gatinho ressaltar o atestado criminal da 
gramática quanto a isso
A lei diz que “confecção” trata-se de um encontro consonantal disjunto, impróprio ou imperfeito.
Impróprio
Imperfeito

Agora um aparato diacrônico:
Em retrospecção, o casamento gay em palavras
Foi seccionado como uma infecção
Por uma facção que ainda hoje
Defende com convicção
Uma fixação reprimida com a sexualidade das letras alheias

Nessa cocção reflexiva neurótica
O gatinho azul sacode a cabeça efusivamente
Dobra bem as perninhas e faz o arremesso antes confeccionado
O coração opaco batendo no aro da rede, voltando e acertando cabeça do gatinho
Que agora estava introspectivamente
Pensando em pagar um advogado para os casais gays da língua portuguesa

Poemas MedíocresOnde histórias criam vida. Descubra agora