A balada dos velhos deuses

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James fitava as brasas que sobraram da fogueira. Olhava para elas com uma serie de anseios dentro de seu peito. Desejava que o pequeno sopro de fogo pudesse arder para sempre. Desejava que aquele fogo consumisse sua carne, bem como a carne de Ethan Fawkes. Consumisse o que havia sobrado do corpo do menino, junto de todas as monstruosidades que a noite trouxera.

Desejava que o fogo queimasse o mundo.

Os olhos que observavam a lenha converter-se em cinzas não mais eram os olhos de um homem são. Eram os olhos mortos e sem esperança de homens que haviam olhado dentro do inferno.

Os olhos de James Wesley haviam contemplado diversos tipos de infernos ao longo de sua vida, mas nunca um tão literal.

Os primeiros riscos de luz do sol brotavam no horizonte, e da mesma forma que expurgavam as trevas da noite, levavam embora a esperança de que os eventos daquela madrugada tivessem sido frutos de um devaneio ou pesadelo insano.

As imagens continuavam ali.

O pesadelo ainda era real.

Ethan tinha a boca aberta numa forma que remetia a um sorriso; um sorriso grotesco advindo da loucura. Os olhos continuavam arregalados e fixos nos de James. Enquanto o sangue que correra do buraco em sua testa já havia começado a secar. Seus dedos longos e finos estavam cravados como galhos negros, podres e retorcidos na capa de couro do livro maldito. James teve trabalho para desvencilhar o estranho tomo do aperto da mão do homem morto. Arrancou-o sem cerimônia, e colocou-o em um saco de couro que estava preso a cintura.

Contemplou mais uma vez o cadáver de Ethan, chutou a poeira e as cinzas da fogueira no corpo do homem. Cuspiu no chão e partiu. Não daria aquele homem um enterro digno; julgava já ter sido benevolente demais em ter lhe concedido a morte.

O descanso eterno era bom demais para tipos como aquele.

James começou a refazer o caminho que fizera para chegar até aquela clareira, pisando em sangue misturado a areia.

Não havia como ter duvida, aquele era claramente o sangue do menino. As abominações não sangravam.

Andou a deriva por tanto tempo que a agradável brisa da manhã havia começado a se transformar no escaldante calor típico dos desertos do oeste, onde o vento não faz nada além de soprar areia quente nos rostos dos viajantes.

Encontrou pelo caminho a sela de sua égua, e observou com frieza os rastros sumirem ao norte. Em outra ocasião ele sentiria remorso ou pesar por ter perdido sua companheira de viagem, mas não havia restado muito de si para que pudesse sentir alguma dessas emoções.

Seguiu seu caminho num passo lento e severo, constantemente castigado pelo terreno e pelo vento. O sol queimava sua pele enquanto a areia a cortava, mas seu objetivo ainda era a prioridade. Se não pudesse retornar a St. Lake, o deserto deveria reclamar sua carne, seus ossos e sua alma.

Tentava não pensar no ocorrido, mas era constantemente lembrado de que poderia não estar sozinho.

Qualquer som que se fazia na imensidão árida era motivo para que ele levasse sua mão ao coldre. E embora o toque frio e metálico de seu revolver pudesse ser reconfortante quando ele enfrentava oponentes humanos, pólvora e aço eram inúteis contra as abominações.

O som que elas produziam era único. Não se parecia com nada que seus ouvidos já tivessem escutado. Era como se até o som da respiração da besta fosse profano.

O simples fato de criaturas como aquelas existirem já era de certo modo profano. Iam contra todos os preceitos sagrados e lógicos que regiam o mundo. Era inconcebível para James que Deus aceitasse que aquilo pudesse caminhar sob o mesmo céu que todo o resto da criação.

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⏰ Última atualização: Jan 24, 2019 ⏰

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