Serene

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/səˈrēn/

adjective

calm, peaceful, and untroubled; tranquil.


Mina não se considerava uma pessoa interessante, e sabia que aquela opinião vinha não só de si mesma, mas também das pessoas que a rodeavam e tinham a liberdade e coragem de deixar tal comentário sobre sua personalidade. Por vezes, escutava dos instrutores que sua dança seguia as técnicas, mas as seguia demais, e isso a tornava apenas mais uma bailarina sem algum ponto que a ajudasse a destacar-se no meio de tantos que iam e vinham no meio do balé clássico. Depois de muitos anos de treinamento, focava-se apenas naquilo, sua vida se resumia ao trabalho de ir aos ensaios para no final, talvez, se classificar na peça que a levaria para uma companhia de balé famosa. Por acaso, no ano de conclusão do curso, uma das milhares de seleções foi aberta, a peça favorita da japonesa estava em desenvolvimento de elenco e ela não perderia a oportunidade de se candidatar. Depois de dias ponderando qual dos papéis escolheria fazer a audição, uma das colegas de longa data a sugeriu que tentasse o teste do papel principal. Relutantemente, aceitou o risco, pois veja bem, era seu último ano de curso e segundo a mesma colega ela já havia passado muito de seu tempo dentro da própria bolha.

A bolha estourou, e a bagunça que a mesma fez foi grande. Mina não foi rejeitada no primeiro plano, fizeram uma espécie de sub seleção que a destruiu. Por conta de justamente estar alimentando suas esperanças e expectativas mais que o natural, no final, escutou que seu cisne branco não existia. Exigiam uma dualidade enorme para quem quer que interpretasse o papel principal, e os extremos de Mina não existiam tão simultaneamente. Diante de professores exigentes e bailarinos de renome aposentados, saiu cabisbaixa, condenando a si mesma por ter sequer cogitado a aprovação. Foi abordada cinco minutos depois, surpreendeu-se ao ver um dos jurados de pé em sua frente. Escutou atentamente o que o homem lhe dizia, segundo ele, lhe faltava vida. Vida. Talvez Mina não tivesse passado por coisas o suficiente, ele acreditava que a expressividade artística de alguém vem através do concílio entre a vida e a técnica, e na bailarina, não havia vida. Dedicar-se tanto a mesma coisa acabou a levando para um estado de isolamento, seu erro foi ser rígida demais, mas, se não fosse pela própria disciplina quem a instruiria apropriadamente? Mina teve sua mente tomada por arrependimentos, todas as vezes que não saíra para as festas, ou para os jantares em pubs que eram organizados pela sua turma. Tudo aquilo agora revelava seu preço mais do que lacerante, foi barrada pelo próprio medo. Que garota teimosa.

Depois daquele acontecimento, estava convencida que precisava de uma mudança, e por isso mais tarde, no mesmo ano de conclusão do curso juntou suas poucas economias e voltou para a casa dos pais. Mantinha uma única coisa em mente: estava ali para viver. Não se conteria mais, na dança tampouco na vida.

A pequena parada no Japão a trouxe ainda mais entusiasmo, não se lembrava do quão agradável poderia ser conhecer novos lugares, ainda mais aquele lugar do qual se ligava por laços familiares e culturais. Conheceu algumas pessoas, umas das quais se lembraria com muito carinho, estava indo bem, pensara. Frequentava parques para admirar todos os grandes e pequenos feitos que a estação das flores a presenteava. Engajara naquele período em uma escolinha de dança, como aluna, em primeiro momento e posteriormente como professora das crianças que faziam aula de balé, daí seu gosto por ensinar nasceu, ter a atenção de outras pessoas e estar apta a lhes passar algum conhecimento era no mínimo animador. Fora presenteada pelo olhar curioso dos pequeninos, do ar de novidade a cada novo movimento ensinado e as tentativas por vezes falhas que precediam o sucesso, e aí sim, Mina sentiu o que ela poderia ver outras pessoas chamando de realização. Sem grandes carreiras sob holofotes, sem buquês de flores ou cartas quilométricas apenas o contato e o ensino lhe eram suficiente.

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