Yeoubi

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우비 (yeoubi)                                                                                                                                                                                                                                

(n. korean)

the sun shining through rain
trad. o brilho do sol através da chuva

    Quando Chaeyoung acordou a sensação de esmagamento já havia passado, seu tórax que antes doía, podia agora se expandir sem nenhuma dificuldade para dar espaço a respiração, e poxa, ela sentia muita falta de respirar sem sentir o incômodo persistente que a acompanhara madrugada adentro. Sua noite de sono foi regada por uma confusão de choramingos baixos, palavras desconexas e o que mais a prendeu, um par de olhos amendoados que a vigiava de longe lhe confortando em olhares doces. Chae não conseguia pensar em nada, o ataque violento da noite anterior parecia uma predição do que estava por vir. Até aquele exato momento, quando o homem a atacou, ela não tinha consciência da crescente atração que desenvolvera tão rapidamente pela mais velha. Até aquele momento nunca tinha questionado suas vestes, seu jeito de andar ou falar e como se comportava em volta de garotas. Talvez até aquele momento, seu cerne estivesse esperando pacientemente para que suas vontades fossem externalizadas. Mas, o que exatamente, Chaeyoung esboçou? Existia algo intrigante sobre a aura que cercava a nova professora de balé da Hanlim, a artista não conseguia evitar ao sentir seus olhos sendo atraídos como imãs que encontram o seu pólo contrário e se direcionam imediatamente em direção a Mina.
   
Imaginava, porém, o que poderia vir em seguida. Sua vida quase foi ceifada por uma pessoa estranha, em uma rua vazia, sem motivo aparente além do ódio que aquele carregava, talvez, de uma vida inteira. Nunca pensara diferente a respeito de pessoas que discriminam outras com justificativas chulas como sua forma de amar, de expressar quem eram. Foi pensando sobre isso que a artista, naquela manhã de quarta-feira, se levantou. Uma leve vertigem se fez no primeiro passo que dera em direção a cozinha, seus pés descalços pisavam no chão aquecido do apartamento bagunçado, a toalha felpuda descansava sobre o braço do sofá, os vestígios da noite anterior pareciam montar uma cena de crime. Aquele não foi o primeiro beijo de Chae, apesar de não ser um entre muitos, ela se recordava de compartilhar outros momentos de contato íntimo com outras pessoas, na escola, Chae foi o alvo de duas ou três paixonites, e querendo ou não, se deixava levar pela sensação de ter alguém que expressa interesse nas coisas que fazia, que gostava de si só por quem era, simples assim. Porém, no segundo em que seus lábios encostaram nos lábios de Mina, uma sensação diferente a preencheu, e era como se um calor subisse de seu peito e se derramasse em forma da vontade de continuar aquele beijo em um ciclo infinito que a afogava em sentimentos que seu corpo não conhecia. Ainda.

Não demorou muito até seu celular carregar completamente a bateria viciada dele, enquanto Chae revezava entre aguar as plantas e recolher a bagunça do dia anterior sob o som da chaleira no fogão. Se sentia confortável para finalizar a pintura que começara naquela semana. Era a primeira vez daquilo, sorriu consigo mesma, essa era uma semana de primeiras vezes, a força superior parecia ter cansado de esperar que a artista desse o primeiro passo, só não era de se esperar que fosse empurrada precipício abaixo, sem avisos ou conselhos. Afinal a vida era sobre isso? Uma avalanche imensa de sentimentos mistos e decisões não tomadas te atropela e leva você e tudo que te representa para a… dúvida? A artista sorriu enquanto descalçava seus pés das meias suadas que usava, caminhou até o quarto com a caneca aquecendo seus dedos gélidos do ar seco e frio da cidade de Seul. Teve a audácia de se despir em frente ao espelho, a silhueta estava mais que esquálida, suas clavículas e os ossos dos ombros evidenciavam o formato quase que quebradiço de seu físico. Deveras não podia lembrar da última refeição real que fez, na verdade não sentia vontade de comer, mas seu corpo mostrava sinais do quanto seu querer não importava a frente de um estado tão decrépito que parecia se deteriorar a cada hora.
Tinha algo lhe consumindo, talvez os sonhos desconexos. O nervosismo de iniciar uma nova rotina, interagir com outras pessoas. A mínima palavra que remetesse ao contato, parecia lhe assombrar e arrepiar até o último fio de cabelo em sua cabeça, mas se sentia consumida por algo maior. Era aquela força que a empurrava para fora da cama, mas que lhe amarrava no pé da porta, se sentia no meio do nada, com uma vontade imensa de realizar tudo de grande que seu interior resguardava, mas… e se isso fosse apenas um vazio? Seus pés tocaram o chão frio do banheiro, as roupas sujas se acumulavam logo após a porta empilhadas em cima de um cesto que não comportava todas as peças que já se acumulavam ali. Precisava se ligar mais em todas as tarefas que a cercavam além de pintar e dormir. Precisava mover seus músculos e fazer algo. Sentia falta dos dias que não precisava se empurrar para fazer algo, apesar de distante, a memória dos dias permanecia vívida, como uma realidade alternativa a sua atual existência.
Não sabia por onde começar, mas sabia que tinha uma extensa lista de coisas urgentes a serem atendidas, a primeira coisa que devia fazer era dar queixa do acontecido no departamento de polícia. Em outro momento de sua vida ela talvez não ligaria para a situação, mas, em que outro momento imaginaria ser espancada em via pública por um lunático bêbado e violento? Mina também fora atacada, não gostava de pensar na possibilidade dos acontecimentos se uma delas estivesse ali, sozinha, desprevenida. O banho não demorou mais que alguns minutos, os cabelos agora em seus ombros molhados demostravam a fase descuidada de sua vida, nunca deixara sua franja tão bagunçada e grande, quase cobria seus olhos se não afastasse com as mãos.
Existiam duas possibilidades para como aquele dia poderia se sair. Chaeyoung gostaria de pensar que ambas eram boas, mas as duas exigiam um esforço desmedido da artista. Burocracia a deixava com sono. Desceu as escadas vestindo uma calça de alfaiataria marrom, seu sweater branco cobria uma camiseta larga em um tom de branco que beirava o amarelado de uma borra de café, um erro ou dois na lavagem não eram capazes de mudarem seu estilo muito bem planejado. Os pés cobertos por um par de coturnos escuros e surrados, suas costas doíam e sua mochila nem estava cheia, sabia de onde vinha essa dor. Ao parar na porta do prédio se deparou com a vizinha do andar de baixo entrando com algumas sacolas da loja de conveniência no final da rua, a senhora Choi era uma das moradoras mais antigas do bairro, talvez tenha o visto crescer, ela tinha quatro gatos e passava o dia inteiro assistindo o canal de receitas estrangeiro, Chaeng sabia de tudo isso, seu tempo em casa lhe rendia uma habilidade ainda mais aguçada de observação. Chae abriu passagem para a senhora mais velha, curvando-se levemente em seguida:
— Bom dia, Ahjumma Choi. Como está o dia? — A senhora ergueu os olhos sorridentes comprimidos por suas fartas bochechas. — Oh, olá, pequena Chaeyoungie! O dia está ótimo apesar de mais frio que ontem — O rosto gordinho escaneou a artista. — Tudo bem com você, pequena?

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⏰ Última atualização: May 21, 2022 ⏰

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