Capítulo 1

4.6K 911 196
                                    

"Onde há fumaça há fogo."

Ritinha

Acordo com a dor batendo nos cornos. Preciso me lembrar de nunca aceitar uma cerveja com Paulinha depois de fechar a oficina. Aquela garota não sabe a definição de limites e, para completar, deixa o pai e a mãe querendo arrancar nosso couro.

Se ela não fosse minha irmã, com certeza, hoje eu arrancaria seus cabelos por me fazer ter um dia dos diabos e ainda ter que fazer cara de boa moça, para que nossos pais não percebam nada. Já basta ouvir a mesma ladainha por ela trabalhar em um bar e o quanto isso não é correto para uma moça de família.

Claro que o fato de nascer, crescer e viver em uma cidade minúscula, como Palomino, nos obriga a lidar com esses conceitos. Amo minha cidade, gosto deste clima interiorano, o cheiro de mato que sinto na rua, os vizinhos, que mesmo cuidando da nossa vida, são gentis e amáveis na maioria das vezes.

Aqui você pode ver carros e cavalos andando na mesma rua, todos respeitando e obedecendo as regras de trânsito. Até porque, o delegado da cidade é muito rígido com as leis e, desordeiros não são tolerados.

A cidade de Palomino é pequena, mas com o coração do tamanho do mundo. Apesar de eu amar cada canto deste lugar, o que realmente aquece meu coração é a oficina.

Venho de uma família de mulheres, meu pai, Jaime, casou-se com minha mãe, dona Lélia, há quase trinta anos. Tiveram quatro filhas, quase da mesma idade e que têm uma beleza peculiar e notória.

Eu nunca gostei de bonecas, brincar de casinha ou, quando um pouco maior, fazer as unhas e os cabelos, como minhas irmãs, então, ainda pequena comecei a me refugiar entre as pernas do meu pai na oficina.

Por ser a única oficina na cidade, ele conseguiu ter um comércio de respeito e acabou virando o salvador de todos que andam motorizados. O único mecânico mais próximo está na capital, o que seria uma viagem de quase quatro horas até chegar lá e não existe outro título que não esse.

Hoje trabalhamos juntos, pelo menos, esse é o conceito. Na verdade, ele cuida dos carros e eu cuido das motos, minha verdadeira paixão. No começo, ele não lidava bem com o fato de sua filha ser mecânica, mas com o tempo e um pouco de insistência, foi obrigado a rever suas concepções.

Quando eu fui a única a conseguir arrumar o defeito de uma moto de um colecionador grã-fino que passou pela cidade, meu pai precisou dar o braço a torcer e aceitar que meu caminho era trabalhar ao seu lado. Além do que, para quem ficaria seu legado se só teve filha mulher?

— Bom dia, pai — cumprimento, assim que entro na oficina.

Atrasada.

— Não me ouviu chamar hoje, Rita Maria? — Seu tom severo me coloca em alerta.

— Não, pai. Eu fiquei até tarde esperando a Paulinha no bar e acabei me cansando muito.

Num gosto disso naum.

— Calma, pai. Deu tudo certo. O povo besta, não. Sabe que a gente é tudo fia sua.

— Dia — cumprimenta Ernesto, dono da padaria da cidade.

Agradeço internamente sua chegada, assim o rumo da conversa muda e eu não preciso me explicar em tantos detalhes para ele.

— Dia, Neto. Precisa de algo?

— Meu fio quebrou a Kombi de novo, Jaime. E nem consigo trazer a disgraça aqui procê vê.

— Tem problema não. Ritinha já chegou aqui, já dou uma passada na padaria e olho ela.

[Degustação] Detestável Para Mim - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora