O sobrenome Boulanger é motivo de orgulho e admiração por onde passa. Uma família circense, onde todos são talentosos desde o berço.
Jackson, o patriarca, é o palhaço, sente grande orgulho dos filhos: Elizabeth canta como um anjo; Elena é contorcion...
Meus dedos finos e pequenos procuravam formar os acordes no piano. Infelizmente, não possuía coordenação motora. Era demasiado difícil usar as duas mãos ao mesmo tempo, pensar numa música e sentir sua melodia. Eleanor conseguia, eu não. Foi assim com o violino, o violão e o violoncelo. O que fez papai concluir que, definitivamente, não possuía talento para música. Tinha apenas oito anos na época. O olhar de papai desmontou-me. Queria que ele se orgulhasse de mim, assim como se orgulhava de minhas irmãs mais velhas. Entretanto, nunca esquecerei de mamãe.
- Ainda vai descobrir seu talento, querida. - Ela encarou-me com seu intenso olhar azul. Tão linda. - Fui descobrir qual era meu talento quando tinha dezessete anos. - Suas mãos acariciaram meus cabelos ruivos, assim como os dela.
- Acho que não tenho nenhum. - Abaixei o olhar.
- Pequena, Eve, sei que você tem um talento escondido dentro de si. No entanto, alguns diamantes demoram mais do que outros para serem lapidados. - Ela sorriu mais uma vez e beijou-me a face.
- Eu amo você, mamãe. - Abracei seu pescoço.
- Também amo você, querida Eve.
Mal sabia eu, que aquele seria o último abraço que mamãe me daria. A partir daquele instante, nossas vidas mudaram drasticamente. Mamãe estava grávida, a bolsa rompeu. Dois bebês vieram ao mundo, ao mesmo tempo em que mamãe o deixou. Um dia feliz e triste. Sentimentos demais para uma garotinha de apenas oito anos.
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Nove anos passaram-se desde que mamãe partiu. As coisas, embora tivessem mudado, pareciam iguais. Acho que a falta dela fazia com que sentisse isso. O Circo Boulanger continuava percorrendo a Europa. Ficava algumas semanas em alguma cidade e depois partia para um novo destino, impedindo-nos de criarmos raízes.
Minhas irmãs já haviam desistido de casar. No entanto, ainda alimentava a chama de algum dia encontrar alguém que me amasse e que eu também correspondesse ao seu amor. Não podia negar que os livros alimentavam meu lado romântico - Shakespeare, principalmente. Romeu e Julieta, principalmente - um lado que, aparentemente, apenas eu possuía na minha família.
Minha família era grande. Meu pai, Jackson, tinha sessenta e cinco anos. Era o palhaço do circo e o maior caça talentos que eu já conheci. Vivia para seus filhos e para o Circo Boulanger, uma herança de meu avô. Minha irmã mais velha, Elizabeth, tinha vinte e sete anos. Ela vivia cantando pelos cantos. Esse era o seu talento, afinal. Minha irmã emocionava a todos quando soltava sua voz. Elena, tinha vinte e cinco. Era a principal contorcionista do Circo. Eleanor, com vinte e um anos, tocava os mais diversos instrumentos musicais. Edward e Eva, os gêmeos, eram incríveis e fofos malabaristas. Ambos tinham nove anos.
E eu... Bem, eu varria o chão; cuidava de meus irmãos mais novos; lavava os figurinos. Meu "diamante" nunca chegou a ser lapidado. Simplesmente, não possuía talento algum. Já tentei de tudo, desde música até atirar facas. Nada! Era a típica fruta que caiu longe do pé.