3| Um desafio

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Entrei, novamente, no jornal. Steven olhou-me surpreso. Há poucos minutos, com hostilidade, tinha mandado-me sair.

— O que você quer, garota? — Ele ficou de pé, enfurecido.

— Olha... Eu sei o que é sentir isso. Ainda sinto a perda da minha mãe. E sinto mais ainda o fato das minhas irmãs não gostarem de mim e o fato de papai não dizer, mas eu sei que ele pensa o porquê de eu não ser um prodígio como meus irmãos. — Aproximei-me.

— Onde pretende chegar?

— Isso é um poço profundo e escuro. Só não afundei mais porque tenho Jesus Cristo na minha vida e Ele sempre segura a minha mão... Quero dizer que o senhor não precisa se render a esse poço de amargura e dor. Só precisa segurar a mão de Jesus. — Dei de ombros. — Sei que parece loucura, meio sem lógica, mas é mais simples do que parece. — Forcei um sorriso.

Steven riu com ironia. Minha vontade foi sair e bater a porta com força, não antes de lhe falar umas poucas e boas. Porém, algo me mantinha ali.

— Você fala muito bem, sabia? — Ergueu as sobrancelhas. — Para sua informação, Liana era minha noiva. Ela me deixou uma semana antes do nosso casamento. Foi embora com o meu irmão.

Abri a boca em espanto. Não sabia o que dizer. Pobre homem! Um enfeite na cabeça, ajudado a ser posto pelo próprio irmão. Era crueldade. Podia entender, ao menos em parte, sua amargura.

— Você não acredita mais no amor. — Concluí comigo mesma.

— Essas coisas não existem, Evangeline.

— Como sabe? Você experimentou o amor humano. Já mergulhou na imensidão do amor de Deus? — Olhei no fundo de seus olhos.

— Amor de Deus? Sério, isso? Não sei se você escutou direito, mas minha noiva me traiu e fugiu com o meu irmão. — Seu tom de voz elevou-se.

— Não sou surda. — Fiquei séria.

— Não é o que parece. Além de não possuir nenhum talento, é surda. — Desdenhou.

Não posso negar que suas palavras machucaram mais do que deveriam. Entretanto, não iria me render. Desistir não fazia parte do meu vocabulário.

— O que acha disso: se eu descobrir qual é o meu talento, antes do Circo deixar a cidade, você vai orar comigo e vai ler a Bíblia todos os dias, durante um ano.

"O que está fazendo, Evangeline?", meu subconsciente apontou.

— O que você ganha com isso? E mais, o que te garante que eu vou fazer o que você disse? Não vai estar aqui.

— Se aceitar o acordo e for homem de verdade, vai cumprir com sua palavra. — Estendi a mão.

Steven riu e apertou minha mão.

— Se você não descobrir qual é o seu talento, vai ter que me dar um beijo.

— Não ouse se aproximar de mim dessa forma sem o meu consentimento. Não sou qualquer uma, senhor Pevensie. — Disse com firmeza.

— Pode me chamar de Steven.

— Estamos combinados, então. — Mordi o lábio inferior. — Bom... Eu vou embora.

— Posso acompanhá-la. Vamos andando e conversando. O que acha? — Ergueu as sobrancelhas.

— Acho que você tem problemas, de verdade. — Ri. — Em um momento, você foi hostil e me mandou sair, no outro, diz que quer conversar.

Steven também riu. Sua risada e seu sorriso eram belos, não podia negar.

— Seu acordo ou desafio, sejá lá o que for, foi mais maluco. — Comentou, enquanto trancava a porta do jornal.

Sem TalentoOnde histórias criam vida. Descubra agora