Entrei, novamente, no jornal. Steven olhou-me surpreso. Há poucos minutos, com hostilidade, tinha mandado-me sair.
— O que você quer, garota? — Ele ficou de pé, enfurecido.
— Olha... Eu sei o que é sentir isso. Ainda sinto a perda da minha mãe. E sinto mais ainda o fato das minhas irmãs não gostarem de mim e o fato de papai não dizer, mas eu sei que ele pensa o porquê de eu não ser um prodígio como meus irmãos. — Aproximei-me.
— Onde pretende chegar?
— Isso é um poço profundo e escuro. Só não afundei mais porque tenho Jesus Cristo na minha vida e Ele sempre segura a minha mão... Quero dizer que o senhor não precisa se render a esse poço de amargura e dor. Só precisa segurar a mão de Jesus. — Dei de ombros. — Sei que parece loucura, meio sem lógica, mas é mais simples do que parece. — Forcei um sorriso.
Steven riu com ironia. Minha vontade foi sair e bater a porta com força, não antes de lhe falar umas poucas e boas. Porém, algo me mantinha ali.
— Você fala muito bem, sabia? — Ergueu as sobrancelhas. — Para sua informação, Liana era minha noiva. Ela me deixou uma semana antes do nosso casamento. Foi embora com o meu irmão.
Abri a boca em espanto. Não sabia o que dizer. Pobre homem! Um enfeite na cabeça, ajudado a ser posto pelo próprio irmão. Era crueldade. Podia entender, ao menos em parte, sua amargura.
— Você não acredita mais no amor. — Concluí comigo mesma.
— Essas coisas não existem, Evangeline.
— Como sabe? Você experimentou o amor humano. Já mergulhou na imensidão do amor de Deus? — Olhei no fundo de seus olhos.
— Amor de Deus? Sério, isso? Não sei se você escutou direito, mas minha noiva me traiu e fugiu com o meu irmão. — Seu tom de voz elevou-se.
— Não sou surda. — Fiquei séria.
— Não é o que parece. Além de não possuir nenhum talento, é surda. — Desdenhou.
Não posso negar que suas palavras machucaram mais do que deveriam. Entretanto, não iria me render. Desistir não fazia parte do meu vocabulário.
— O que acha disso: se eu descobrir qual é o meu talento, antes do Circo deixar a cidade, você vai orar comigo e vai ler a Bíblia todos os dias, durante um ano.
"O que está fazendo, Evangeline?", meu subconsciente apontou.
— O que você ganha com isso? E mais, o que te garante que eu vou fazer o que você disse? Não vai estar aqui.
— Se aceitar o acordo e for homem de verdade, vai cumprir com sua palavra. — Estendi a mão.
Steven riu e apertou minha mão.
— Se você não descobrir qual é o seu talento, vai ter que me dar um beijo.
— Não ouse se aproximar de mim dessa forma sem o meu consentimento. Não sou qualquer uma, senhor Pevensie. — Disse com firmeza.
— Pode me chamar de Steven.
— Estamos combinados, então. — Mordi o lábio inferior. — Bom... Eu vou embora.
— Posso acompanhá-la. Vamos andando e conversando. O que acha? — Ergueu as sobrancelhas.
— Acho que você tem problemas, de verdade. — Ri. — Em um momento, você foi hostil e me mandou sair, no outro, diz que quer conversar.
Steven também riu. Sua risada e seu sorriso eram belos, não podia negar.
— Seu acordo ou desafio, sejá lá o que for, foi mais maluco. — Comentou, enquanto trancava a porta do jornal.
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Sem Talento
KurzgeschichtenO sobrenome Boulanger é motivo de orgulho e admiração por onde passa. Uma família circense, onde todos são talentosos desde o berço. Jackson, o patriarca, é o palhaço, sente grande orgulho dos filhos: Elizabeth canta como um anjo; Elena é contorcion...