Terra Nova

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24 HORAS DEPOIS

As ondas sacudiam a rampa de madeira para cima e para baixo, sem parar, e uma brisa morna cortava o calor do sol sobre nós. Eu não fazia ideia de que horas eram, talvez meio-dia ou uma hora da tarde... Jamie cochilava com a cabeça sobre o braço e eu tentava enxergar algo além de água em nossa volta. Não cabíamos bem sobre aquele pedaço de madeira, mas foi a melhor opção no navio diante da nossa necessidade urgente de escapar. Eu desejei poder fechar os olhos e somente abri-los de volta em um quarto fresco, com uma cama enorme e macia onde eu pudesse dormir por horas a fim. Estar grávida naquela situação definitivamente não tornava nada melhor. O saco com cantil d'água e pedaços de pão, agora ensopados, não eram mais suficientes pra mim. Sentia estar fazendo uma força tremenda para reprimir o medo que eu queria sentir, mas não nos restava muito além de esperar, e com alguma esperança, o oceano logo nos entregaria a algum pedaço de terra. Mas, enquanto nada acontecia, eu só podia sentir o meu rosto queimar e enxergar os lábios de Jamie se transformarem em pedaços de papel picado. Fechei os olhos para escapar do sol e pude sentir Jamie despertar do sono com um espasmo forte. - Jamie..., o que foi?! - ele me olhou e com as sobrancelhas franzidas pareceu procurar algo em sua volta. - Está tudo bem... Ainda estamos no meio do mar, eu acho. Nada aconteceu. - Com cuidado para manter nosso peso equilibrado sobre a madeira, ele trocou sua posição de modo que seu rosto se aproximasse do meu. Toquei seus lábios ressecados com a ponta dos meus dedos. - Você precisa se hidratar... - e ele me devolveu o aviso com qualquer grunhido em gaélico e segurou minha mão para tirá-la dos seus lábios. Eu estava realmente exausta. Ter suspendido o braço para tocar o rosto de Jamie talvez tenha sido mais cansativo do que deveria. Recostei a cabeça no seu braço e busquei seus olhos com os meus. Não sei ao certo quanto tempo passei olhando para Jamie e é possível que a falta de comida, água e sombra tenham prejudicado meu raciocínio, mas tornou-se claro para mim que Jamie acabara de ver alguma coisa, e eu esperei que seu raciocínio também não estivesse tão prejudicado a ponto de ele, em realidade, estar tendo algum tipo de delírio.
Não. Não era delírio. Era real e eu também enxerguei.

Um instante após sermos graciosamente levados para o alto por mais uma onda, eu vi, talvez a dez quilômetros ou mais, um monte de terra verde e esbranquiçada. Minha boca se abriu em choque e uma bolha de esperança explodiu no meu peito. - Sassenach... - Jamie disse enquanto tocava minha barriga. - Sassenach, vamos conseguir... - eu acho que sorri, mas não consegui mais sentir meu corpo se mover.

Fomos rolados para frente quando a rampa fincou suas quinas na areia da praia. Acho que levou cinco minutos ou mais para finalmente começarmos a nos arrastar em direção à terra. Meu corpo parecia pesar toneladas e me suspender era impossível. Jamie parou por um instante sobre os joelhos, no que parecia ser um breve instante para recarregar as forças e, então, se voltou para mim, que claramente continuava com muita dificuldade para qualquer coisa.

A mata era densa, muito verde e era possível ouvir uma quantidade grande de aves cantarem. Jamie então me recostou sob uma grande árvore, onde eu podia me esconder do sol forte e fingir um breve repouso. - Você não pode ficar sem comida, sem água! Não se mova, Sassenach, vou ver o que posso encontrar nessa ilha. - Eu não iria mesmo me mover, pensei. E seguindo um caminho desconhecido, Jamie foi atrás do que pudesse nos manter vivos.

Acho que caí em sono profundo, porque Jamie precisou sacudir meus ombros para que eu retornasse à realidade. Quando notei que já podia enxergar direito outra vez, vi que ele trouxera um cesto de comida, frutas, pão, carne e três garrafas cheias. Pisquei para ter certeza de que estava mesmo enxergando um cesto e três garrafas cheias, e Jamie percebeu sem atraso que eu parecia confusa. - Claire... há outros homens aqui! Muitos! Talvez a oitocentos metros daqui, e eles têm barcos atracados, um mosteiro... - quanto mais Jamie falava, mais eu me sentia confusa e perdida. - Onde... onde estamos? - perguntei enquanto sentia minha fome corroer meu estômago. Coloquei as mãos sobre a barriga e talvez tenha feito uma careta também, porque Jamie rapidamente me serviu um pedaço de pão. - Ainda não sei onde estamos, Sassenach. Achei melhor te trazer a comida e a água primeiro..., preferi não arriscar um duelo qualquer antes de conseguir o que você precisava. - então, Jamie enfiou a mão no fundo do cesto e tirou um saco repleto com mais pães.
Um tilintar agudo se deu de repente. Algo caíra na areia esbarrando antes pelas garrafas de vidro. Jamie alcançou o objeto que viera no cesto junto com a comida. Era uma moeda de prata, media talvez dois centímetros ou mais. Em um dos lados, Jamie leu IOANNES. V. D. G. P. REX. E. BRAS. D., do outro, SVBQ. SIGN. NATA. STAB.. Havia também dois brasões gravados, um em cada verso da moeda. Um deles reconhecemos como sendo o brasão de Portugal, já o outro, nenhum de nós conheceu. Era formado por um círculo sobre uma Cruz de Malta. Jamie passou longos minutos encarando a moeda e então disse: - Claire, não podemos estar em Portugal. Pelo tempo que deixamos a Jamaica e pela rota do navio, levaríamos semanas até lá... - eu tentei não pensar por alguns segundos, apenas para concentrar no sabor super adocicado daquele pedaço de pão. Mas a ansiedade em compreender onde estávamos era maior. Muito maior. Cavei na memória o pouco de história geral que sabia e racionei, estávamos em 1749, Portugal ainda era reino e tinha colônias principalmente na África e na América do Sul... se não estávamos na Europa, tampouco poderíamos ter chegado na África. Isso nos restava... - Jamie... - Eu disse, tentando compreender o que aquilo significava. - nós estamos no Brasil.

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