Capitulo 2: Desamparo

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Eu sempre me considerei um bom garoto. Suficientemente bom. Nem ruim, nem perfeito. Cresci educado em uma família com seus problemas pontuais mas firme em sua estrutura e não tinha nenhum desvio de caráter muito sério. Ao contrário, eu sempre me certifiquei em fazer o bem e evitar prejudicar os outros. Na escola era difícil porque o legal é você se rebelar, ser do contra e ganhar o respeito dos colegas enfrentando os professores e quebrando as regras e eu era o oposto disso. Quando eu me descobri gay não demorou muito até eu descobri o mundo das festas, baladas, sexo fácil, bebida e drogas. Uma coisa puxa a outra. Apesar disso, a cautela sempre regeu meu comportamento e naquela noite de distração eu entrei nesta armadilha. Eu acho que até esse ponto eu ainda não tinha exatamente noção do que estava acontecendo. Parecia tudo uma bad vibe e como sempre logo ia passar. Pelo menos era pelo o que eu torcia secretamente até ali. Era tarefa dos meus novos amigos de confinamento me explicar a seriedade daquilo e fazer com que as novas informações se acomodassem na minha cabeça. Ali, em pé, na frente deles, nu e com o pijama em minhas mãos, tremendo da cabeça aos pés, eu olhei para eles com curiosidade e esperando que eles fossem de algum conforto.

- Filhinho, você está perto de ter um colapso nervoso. - Disse Léo. Pele branca, cabelos loiros, magro e de altura mediana. Um rosto que transmitia gentileza e maturidade mas ao mesmo tempo uma inocência confortante.

- Eu acho que ele está em estado de choque. - Gustavo, cabelos pretos, lábios grossos, pele branca e altura mediana. Corpo sarado, mas não muito. Como ele mantinha o bom físico naquele lugar ainda era um mistério. - Oi, menino! Você está bem?

Eu não consegui responder imediatamente.

- Vocês são muito lerdos, hômi. Caramba! - Disse Leonardo - Hey, vem cá, deixa eu te ajudar - Ele tinha a pele bronzeada, queimada pelo sol, cabelos castanhos claros, quase loiros, caindo no rosto. Magro, mas com algumas curvas. Lábios bonitos e olhar de garoto esperto. O sotaque me lembrava a de um amigo que morava em Campina Grande. Se aproximou de mim, passou a mão no meu rosto, me deu um abraço e disse que estava tudo bem por enquanto e que agora eu ia ter algumas horas de descanso. Me ajudou a vestir o pijama azul claro, idêntico ao deles, e me mostrou a minha cama. Ao todo eram oito camas naquele quarto. Era um cômodo bem longo em comprimento mas estreito em largura. Não havia beliches. As camas eram individuais e enfileiradas. Eu dormiria na última do fundo. Era a que tinha sobrado.

Quando eu finalmente me sentei, Leonardo sentou ao meu lado, ainda acolhedor.

- Qual teu nome? - Disse ele.

- Thomas.

- Eu sou o Leonardo. Aquele é o Gustavo. O loiro ali é o Léo. Logo ali é o Kevin, Luís, Kleber e o João.

O Kevin tinha o mesmo físico do Léo mas o semblante era o oposto. Olhos tristes. Sem vida. Cabelos raspados e lábios grossos, mas imóveis. Luís era o que aparentava ser o mais novo dali. Se os outros garotos tinham entre dezenove e vinte e cinco anos, Luís não passava dos dezesseis. Baixo e esbelto. Logo eu conheceria seu doce sorriso que fazia seus olhos quase fecharem. Kleber era o que tinha o jeito mais masculino. Eu não poderia ter certeza se os outros eram todos gays mas Kleber era definitivamente hétero. A aparência era de alguém que morava no litoral. Corpo bem cuidado e cabelos curtos. O último, Heitor, era branco e tinha cabelos pretos. Usava barba e bigode e tinha o físico sarado, apesar de não musculoso. Dava pra perceber que todos haviam sido escolhidos a dedo, sendo boa aparência o critério principal. Por algum motivo eu não estava surpreso. Não precisava de mais nada pra eu entender que sexo era comercializado nesse lugar.

- Thomas - Leo se aproximou e junto vieram os outros garotos - eu sei que você está assustado. A gente passou pelo mesmo processo que você.

- A gente precisa sair daqui - eu disse. Todos me olharam com compaixão. Eu me senti ingênuo. Léo continuou:

- O quanto antes você se adaptar, se acostumar, deixar as coisas se acomodarem na sua cabeça é melhor. Procura não oferecer resistência. Você só vai se machucar mais...

E então finalmente eu fui apresentado ao meu novo destino.

- ...Você está num casa de prostituição, Thomas. Mas não qualquer casa. Essa gente é perigosa. Eles são uma máfia do sexo. Você com certeza já ouviu falar de tráfico de mulheres. Eles, na verdade, são especializados em tráfico de garotos, como nós. Os clientes deles são homens que pertecem a camada mais poderosa da sociedade e que não buscam sexo regular.

- Sexo regular? - perguntei confuso

- Eu não sei se o Motta tem outras casas, entendeu. Mas aqui, pelo menos, nenhum deles tem gostos normais. Os clientes, eu digo. Eles pagam muito, muito garoto pra abusarem da gente realizando fetiches. Os mais repugnantes que você possa imaginar.

Ele deu uma pausa para que eu pudesse processar um pouco das informações. Minha expressão angustiada deve ter ajudado.

- Eu sei que é difícil mas você precisa estar ciente de tudo. E quanto antes você entender que essa gente é poderosa e que você não deve apresentar resistência, melhor. Nós somos escravos sexuais à disposição desses clientes. Motta oferece a gente e tem contratos milionários de sigilo e negociações sobre nossos corpos. Os caras que se servem da gente são pessoas doentes que só sentem prazer ao objetificar seus fetiches e isso inclui basicamente tudo.

- O que é tudo?

- Tudo. Uma vez Matias nos contou que um empresário bilionário do ramo da música tinha como fetiche necrofilia. Necrofilia é...

- Eu sei o que é necrofilia.

- Então. Ele simplesmente pagou uma quantia suficiente para que ele pudesse matar um de nós e fazer sexo com o cadáver depois.

- Mas isso não aconteceu, aconteceu?

Todos abaixaram os olhares.

- O Bruno era meu melhor amigo - disse Gustavo. - A gente não sabia que ele estava indo pra nunca mais voltar.

- Quando eu falo tudo, eu quero dizer tudo mesmo.

Respirei fundo. Eu não sabia o que dizer ou fazer. Me deitei, olhando pro teto e chorei. Chorei tudo que eu nem sabia que ainda tinha pra chorar. O que eu senti ali, naquele quarto, com aqueles garotos, foi tristeza, angústia, desespero e desamparo. Desamparo. Para mim esse era o pior sentimento do mundo.

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⏰ Última atualização: Feb 03, 2019 ⏰

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