Prólogo

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Aurora secou a testa da mãe, sentindo seus olhos umedecerem. Ela não amanheceria viva, disse-lhe o médico. Seu coração estava fraco demais. Ninguém havia percebido que Anastásia Junqueira sofria de coração fraco e quando os primeiros sintomas foram visíveis, nada mais poderia ser feito a não ser lhe dar conforto até que sua hora chegasse. Nada poderia lhe ser mais doloroso do que viver sem sua mãe, sua amada mãe.

Aurora era a caçula de três irmãs, a mais jovem e mais negligenciada pelo pai. José Carlos Junqueira, um rico estancieiro dos Campos de Cima da Serra, dono em outrora de uma das mais produtivas fazendas da Província de São Pedro, um Coronel condecorado pelos préstimos à Coroa Brasileira, pelo heroísmo que demonstrou na Guerra do Paraguai.

Mas a época de fartura e o esplendor da riqueza haviam passado e a boa sorte virado as costas para o velho Junqueira, que apenas acumulava dívidas e perdas. No último inverno, uma forte geada secou os pastos e as cabeças de gado não vingaram como esperava, fazendo-o contrair dívidas com bancos. A abolição da escravatura também não lhe foi uma boa coisa, apenas lhe trouxe ainda mais infortúnio. Não havia fundos suficientes para pagar por mão-de-obra forte e saudável. Os problemas se acumulavam e o deixavam sem muitas escolhas.

— Não morra, minha mãe! – Aurora beijou a testa suada da Senhora Junqueira, estava pálida e esquelética, nem a metade da bela mulher que foi um dia. — O que será de mim e de minhas irmãs?

Anastácia Junqueira não se mexia mais. Jazia em sua cama à espera da morte. Desejava uma morte rápida e indolor, tudo aquilo que não havia sido sua vida. Casou-se com o Coronel Junqueira e migrou com ele para o Sul do País, onde fundaram a Estância Santa Rita. Foi um casamento arranjado por seu pai, baseado apenas na esperança de ser feliz ao lado de um homem honrado. Mas assim não foi, não quando as diferenças surgiram e os distanciaram.

Seu marido desejava um filho varão para que perpetuasse seu legado e seu nome, mas Anastásia apenas lhe deu mulheres. O único varão que nasceu não vingou e morreu horas depois do parto. A mágoa e o rancor do Coronel fizeram-na sofrer além do que suportava e o que deveria ter sido evitado por ela, aconteceu. Anastásia apaixonou-se por um imigrante que prestou serviços na Estância e com ele viveu um romance. À época, foram contratados homens de várias nacionalidades para trabalhar na construção de taipas e estradas. As boas línguas contavam que era um alemão de cabelos loiros e olhos azuis, que se enamorou pela beleza de Anastácia, dando-lhe não apenas a esperança de viver um grande amor, mas também uma filha: Aurora.

É claro que Junqueira não a deixaria partir com suas filhas para viver amasiado com um imigrante e assim mandou matá-lo numa emboscada. Sentiu-se despeitado e como homem de orgulho ferido, lavou sua reputação com o sangue do amante de sua mulher. Não pôde, outrossim, livrar-se do fruto do pecado e quando Aurora nasceu, viu-se na obrigação de assumi-la como filha legítima para esconder sua vergonha.

— Como ela está, Aurora? – O Coronel fitou sua filha ilegítima com desdém, desejando que não tivesse os brilhantes olhos claros do maldito imigrante que roubou sua Anastácia, nem os cabelos loiros, uma marca que o fazia lembrar da traição da esposa.

— Não nos escuta mais, meu pai! – Junqueira não suportava ouvi-la a chamá-lo de pai, mas não podia fazer diferente, deveria deixá-la a pensar que era seu pai.

— Onde estão suas irmãs? – Perguntou sem se aproximar do leito da esposa. Amou Anastácia com todo seu coração apesar do casamento lhe ter sido arranjado. Mas o rancor sempre lhe falou mais alto e nunca a perdoou pela traição.

— Na capela! As coitadinhas acham que se rezarem muito, nossa mãe haverá de ser poupada.

— E você o que faz aqui que não está rezando também? Junte-se a elas, Aurora! Você mais do que ninguém deveria rezar. – Aurora nunca entendeu as palavras duras de seu pai e sua insistência para que rezasse sempre. Houve uma época em que a teria enviado para um convento, mas sua mãe não deixou por não suportar ficar longe da caçula. Talvez lhe teria sido melhor enfrentar a solidão de uma vida religiosa do que o desprezo inexplicável do progenitor.

— Quero ficar com minha mãe! – Aurora falou com os olhos cheios de lágrimas.

— Não se faz mais necessário! Anastácia já não respira e também não há mais pulso. Ela partiu! – Falou sem emoção. Havia se transformado em uma pedra, um homem sem coração, reparou a jovem. — Seque as lágrimas e vá em busca de suas irmãs! – Não lhe estendeu os braços ou tentou lhe confortar e isso lhe machucou. Quis, sempre desejou um abraço de seu pai, mas nunca o teve, apenas palavras duras e olhares de repreensão. — Devo alertá-la, Aurora, que tudo mudará de hoje em diante!

"O que poderia ser pior?" Pensou Aurora. Já havia aguentado muito da falta de carinho do pai e se tudo ficasse pior, não saberia se teria força suficiente para suportar. Era sua mãe que a protegia da ira do pai e o que lhe aconteceria agora que havia morrido? Seu futuro era incerto e temeroso, mas haveria de encontrar forças. 

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