Capítulo 01

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Sul do Brasil, final do século XIX

Aurora havia acordado antes do sol despontar no horizonte. A escassez de funcionárias para cuidar da casa a obrigava a trabalhar exaustivamente. Fazia de tudo, desde sovar pão até ordenhar as vacas. Vivia sempre cansada e com dores nas costas. A limpeza do casarão consumia todo seu dia e ainda se preocupava com o que seria servido à mesa para alimentar sua família e os tropeiros que de tempos em tempos acampavam nas terras da Estância Santa Rita.

Naquele dia em particular fazia muito frio e o branco da geada cobria os campos como um manto. O gelo havia se acumulado durante a madrugada, uma das mais geladas até então. Aquele inverno havia sido um dos mais rigorosos, ao menos de todos os que Aurora se recordava em seus 18 anos de vida. Também haviam sido os meses em que mais trabalhou.

— Bom dia, Senhorita Aurora! – Um dos capatazes de seu pai a cumprimentou num gesto educado. Ainda precisava ir até o poço para buscar água para o café da manhã. Suas mãos ardiam de tanto frio e já não sentia a ponta do nariz. Esperava que quando voltasse, o fogo já estivesse acesso.

— O que faz aqui fora tão cedo, jovem prenda? – Uma velha senhora cumprimentou Aurora com um lindo sorriso. A caçula do Junqueira gostava da mulher de rosto enrugado e sempre que podia lhe fazia uma visita. Era a esposa de um falecido capataz de seu pai, o primeiro da Estância Santa Rita.

— Vim buscar água fresca para o café! – Respondeu também com um sorriso no rosto enquanto se concentrava no balde que caia amarrado para dentro do poço.

Já fazia mais de ano que sua mãe falecera e, aos poucos, ela e as irmãs deixavam o luto para trás. Seu pai falava em casamento, desejava casar as irmãs com filhos de famílias abastadas. Mas nunca ousava a falar sobre seu próprio casamento. Não lhe era uma surpresa, pois seu pai nunca se importou com sua condição. Enquanto suas irmãs foram instruídas pelas mais gabaritadas professoras da Capital, ela apenas teve que se contentar com a generosidade de Lucila que a ensinava a ler e escrever antes de dormir.

Já Bibiana havia lhe ensinado a tocar piano, um gosto que não lhe era mais possível diante de tantas responsabilidades que lhe tomavam todas as horas do dia. De sol a sol, Aurora se ocupava dos serviços da casa, das necessidades das irmãs e do pai. Lavava, passava, cozinhava, costurava, sempre à disposição de alguém. Não lhe sobrava tempo para nada e por imposição do pai, passou a fazer as refeições junto das empregadas da casa grande, que não eram muitas.

A Estância passava por dificuldade financeiras, o que a obrigava trabalhar. Porém, estranhava o fato de que suas irmãs mais velhas não precisassem se dedicar às lidas domésticas. Lucila e Bibiana pareciam incomodadas com a rotina impiedosa que o pai havia imposto à irmã mais nova. Houveram vezes em que tentaram chamá-lo à razão por temer que Aurora adoecesse. Era jovem e cheia de vida, mas andava pálida e parecia também ter perdido peso, o que preocupava as irmãs mais velhas.

— Aurora é jovem e saudável! – Dizia-lhes o Coronel, sem se importar com as bolhas e calos que se abriam nas mãos de sua caçula.

Aurora era de uma beleza diferente aos padrões da região. Seus cabelos loiros, de um tom de cobre, e encaracolados caíam em cascata pelas costas e chamavam a atenção de todos, incluindo dos convidados do Coronel. Por notar o quanto Aurora chamava a atenção e temendo que descobrissem seu segredo, Junqueira a obrigou usar uma touca e assim mal se conseguia ver os cabelos de Aurora, a não ser os poucos fios que se desprendiam do pano encardido.

A mais nova das Junqueira era diferente das irmãs e da mãe, o que despertava a curiosidade de todos da região e também dos viajantes que vinham pedir abrigo nas terras de seu pai. Aurora era meiga e de uma beleza que encantava a todos, um verdadeiro anjo em meio a hostilidade do interior da antiga Província de São Pedro, recentemente rebatizada com o nome de Rio Grande do Sul, uma das excentricidades da República.

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⏰ Última atualização: Jul 10, 2024 ⏰

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A Noiva do Italiano - livro 01, Série Homens do Sul *AMOSTRA*Onde histórias criam vida. Descubra agora