O que nós vamos fazer hoje, ou amanhã, ou daqui a 50 anos, é da nossa conta. Só da nossa conta. Ninguém nesse mundo precisa entender, ou querer se colocar no seu lugar. Desculpa, mas é isso que eu penso, e é assim que espero que as coisas aconteçam. Tudo bem que a vida tem milhares de voltas, e sei que a minha vai ser melhor que as montanhas-russas dos grandes parques do mundo, mas preciso contar essa história.
Porque ele entrou na escola há pouco mais de um mês, não é certo que o Victor me trate como se ele já me conhecesse, ou já estivesse aqui há mais tempo do que eu, ou qualquer coisa do tipo. Ele acabou de chegar aqui! Isso não é nada certo, mesmo. Acabou de entrar, já se acha no direito de sentar na janela? Não, não. Logo vou mostrar para ele quem é que manda nessa coisa toda desse colégio. Tá, ele é muito bom em geografia, e a apresentação dele no trabalho de história foi incrível - mas ainda assim, não é desculpa para agir como um babaca! Nem mesmo por ele ser um pouco mais bem-desenvolvido que eu. Ainda sou mais alto!
Acho que já deu meu tempo. Procuro clarear minhas ideias, e sigo na direção em que sempre vejo minha namorada.
Encontrarei Jacque depois do último horário, e vamos ficar juntos esperando o pai dela chegar, como sempre fazemos. Se bem que estou com um pouco de fome, e com certeza não vai custar nada para ela esperar um pouco mais pela minha companhia - penso com um riso traçado em meus lábios, enquanto ando para a cantina. Quando sigo no caminho de tijolos para o refeitório, um bando de estudantes do segundo ano B passa correndo e quase derruba meus livros. Eles são uns babacas! Até poderia brigar com eles, e repreendê-los por serem tão desesperados para fazer as coisas, mas assim que ameaço levantar o dedo indicador para pagar meu sermão, tenho uma sensação de familiaridade peculiar demais, e desisto.
Já não tenho a mesma juventude deles. Não tenho a mesma disposição para correr pelo pátio, ou saltitar com meu grupinho de amigos. Isso era o que fazia há alguns bons anos. Eu sou mais velho, oras bolas! Podem dizer que sou muito novo para ter uma crise da meia-idade, mas se for pelo hábito da família, melhor começar a praticar cedo.
Enquanto caminho em direção ao refeitório, penso ter visto Jacque sentada em volta das mesas de pingue-pongue, e sigo em direção ao que parece ser a forma dela. Os cabelos cacheados volumosos estão bastante brilhantes hoje, e a reconheço de longe pelo cheiro de seu perfume: algo adocicado, que lembra rosas gotejadas com mel. Jacque gosta disso. Essas coisinhas que lembram natureza e campos floridos e borboletas. Quem sabe ela não é uma fada que está convivendo em segredo com nós, humanos? Isso certamente explicaria porque ela usa tantas sandálias, ao invés de sapatos - o que é uma exigência do uniforme - e também a sua paixão por adereços brilhantes, pedras coloridas e outras coisinhas excêntricas.
Resolvo surpreendê-la por trás, e tapo seus olhos assim que me aproximo. Faço sinal para Luísa, nossa amiga que terá mais aulas hoje a tarde, e espero que ela surpreenda minha namorada com alguma piada constrangedora sobre quem está cobrindo seus olhos.
- Ah Fred, me desculpa. Não sei brincar dessas coisas, - e assim que percebe meu olhar de decepção por ter entregue quem estava fazendo a brincadeira, tenta consertar a situação - mas aposto que a Jacque já ia saber que era você.
Jacque apanha minhas mãos que cobrem seus olhos e, sem nem mesmo se preocupar em abri-los, se vira e encosta os lábios nos meus. Lança seu sorriso largo e diz:
- Boa tarde, Freddy. Estava com saudades!
Tudo bem que não fizemos essa última aula do dia juntos, mas foi só esse horário. Ela tinha ocupado maior parte de sua primeira semana de aula tentando encaixar a grade horária dela com a minha. Claro, nem sempre temos as mesmas aulas, e como o critério de seleção das classes se baseia no rendimento escolar, era compreensível que não tivéssemos as mesmas turmas disponíveis. Mas como minha namorada era prestativa e ambiciosa, não demorou a conseguir uma vaga na monitoria das ciências exatas. E como os monitores podem marcar os melhores horários para eles oferecerem seu auxílio aos demais estudantes, ela conseguia se aproveitar da flexibilidade dos horários e da maleabilidade dos funcionários. Assim nossos períodos coincidiam quase todos os dias.
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Aquarela
RomanceFrederico é um garoto muito criativo. Com apenas seus 15 anos, já está no último ano do colegial. Namora com a aluna que dá monitoria, e é a mais inteligente da escola (ele acha). É talentoso e esforçado, apesar de detestar matérias exatas. Tem aver...