Estamos correndo, em uma praia com poucos coqueiros e céu azul safira, da cor da água. Não consigo enxergar quem está do meu lado, e nem lembro como vim parar aqui. Só sei que adoro sua companhia, tão familiar. E estou vendo o que estava procurando, e sou inundado pela sensação de satisfação por encontrar o baú do tesouro. Escuto um barulho bem forte, como algo caindo do céu e perfurando o chão. Tudo fica turvo, e de repente, vejo a luz. Minha cabeça dói um pouco. Abro os olhos, e acordo.
Dou uma olhada no ambiente, torço meu corpo, observo tudo com curiosidade e tento me colocar no lugar certo do espaço-tempo. Onde eu estou? Cadê meu celular? Ele sempre parecer saber mais sobre minha vida do que eu. Inclusive, suspeito que meu telefone possa me explicar melhor o que está acontecendo aqui.
Tá, meu smartphone não é um gênio com inteligência artificial. Ele só está sincronizado em todas minhas contas de mídia social, então se algo aconteceu comigo ontem – que eu deva me preocupar, claro – estará online. Aliás, já esteve online antes mesmo de eu me levantar. Parece que estou em uma cama bem grande, que definitivamente não é a minha, em um quarto com decoração clara luxuosa. Escuto o barulho de vibração característico do meu celular, ressoando sobre um tampo de madeira, e logo o encontro na cabeceira da cama. Por motivos prioritários, vejo primeiro sua bateria: 90%. É sinal que foi colocado para carregar ontem (essa madrugada). Alguém estava sóbrio o suficiente para fazer isso. Depois vejo as notificações: 12 chamadas não atendidas, 46 mensagens recebidas, e o aplicativo de música estava tocando, ainda. Pelo visto ficou tocando todo esse tempo – o que é algo que faço com frequência. Coloco minhas playlists para serem aleatoriamente reproduzidas, e desligo o volume do telefone. O aplicativo conta como se eu estivesse consumindo aquelas músicas de verdade, e enquanto ele estiver pagando uma porcentagem dos lucros pelas reproduções para todas as pessoas responsáveis por criar aquela canção, sinto que estou fazendo a minha parte. Eles criam as músicas incríveis, eu os recompenso executando ininterruptamente pelo app.
Começo a olhar as notificações, e o que me chama mais atenção são os check-ins que fiz ontem. A última coisa que me lembro com clareza é que fui para a festa do meu sogro, na casa da Jacque. Estávamos conversando e bebendo, mas parece que a graça acabou cedo para mim e meus amigos. Antes de meia-noite já havíamos tirado uma foto no barzinho mais movimentado da cidade. Entrar e beber alguma coisa, de preferência uma bebida quente e cara, era algo usual para aquelas pessoas. Quase todos os alunos do ginásio no Cosseno já fazem aquilo toda semana. Nas poucas vezes que tinha algum dinheiro sobrando, gostava de me exibir e comprar uma garrafa para nós. Claro que meus amigos ricos sempre pediam para racharmos a conta, e sempre saía mais barato do que havia me comprometido a pagar. E também, já tinha me acostumado (e criado uma preferência, na verdade) pelas bebidas mais fortes e baratas.
Nas próximas fotos, Lu e Jacque estão sempre comigo. Parece que não estão mais bebendo, mas se conheço bem minhas amigas, sei que elas não gostam de aparecer em foto com álcool. No entanto, tenho a mais absoluta certeza de que elas não estão nem um pouco sóbrias. Em muitas fotos eu estou olhando para o meu telefone. Parece que estava tendo uma conversa bem divertida, porque estou bem sorridente. O cenário mudou, e outro check-in foi feito. Dessa vez, entramos na boate gay mais badalada da cidade. Ah, confesso que boates pro público LGBTT+ sempre têm uma seleção de músicas imensa, e muito melhor que as outras casas de festas. As fotos do meu celular estão escuras e são poucas – isso é um sinal que minha bateria já estava acabando. Se não tirei mais fotos nessa hora, acho que vai fazer um pouco mais de sentido depois de olhar minhas mensagens. Então abro uma conversa, e parece ter sido com a última pessoa que me mandou mensagem.
Era do Victor.
"Desculpa o horário Fred, mas quero agradecer por ter me ajudado hoje no colégio. Muito obrigado. Espero nos vermos segunda."
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Aquarela
RomanceFrederico é um garoto muito criativo. Com apenas seus 15 anos, já está no último ano do colegial. Namora com a aluna que dá monitoria, e é a mais inteligente da escola (ele acha). É talentoso e esforçado, apesar de detestar matérias exatas. Tem aver...