Os sonhos, as lembranças e histórias que povoam as cabeças brasileiras devem muito à Africa. A muitos países diferentes desse continente enorme, de grande variedade cultural. Mas a quase totalidade dos africanos que vieram para o Brasil não veio porque quis, e sim trazida à força, no porão de navios, como prisioneiros, para serem escravos. E não se pode dizer que vinham de países que já tivessem os nomes e as fronteiras que têm hoje em dia, quando olhamos um mapa da África. Muitas vezes esses limites são recentes e artificiais, impostos por antigos colonizadores, após guerras cruéis. Então, nem sempre dá para saber de onde vem uma história, ainda mais porque elas eram contadas em diferentes aldeias, repetidas em mercados distantes, e seguiam viajando por aquela terras, nas palavras e nas memórias de contadores fantásticos — na África, contar histórias é uma arte altamente desenvolvida e respeitada.
No que se refere aos relatos que selecionei para este livro, nem sempre foi possível saber de onde vinham. Há anos, visitando um museu, encontrei anotei o resumo da história das garras do Leopardo, com a indicação de que fora recolhida no Quênia. Mas de que povo? Dos Massai? Dos Watusi? Não sei. Sei que a história do monstro e dos viajantes é contada pelos Quicos, da Angola, e está incluída num livro que comprei em Luanda quando estive por lá, ainda durante a guerra de independência. Em compensação, posso localizar muito bem a fonte da história da festa no céu, diferente, mas parecida com a que tantos folcloristas recolheram no Brasil, entre nossos caboclos e indígenas, muito antes: ela é contada por um personagem do livro O mundo se despedaça, do premiado autor nigeriano Chinua Achebe.
Estes contos são apenas uma pequena amostra do riquíssimo universo da tradição oral africana. Com seus animais espertos, sua gente solidária, seus curandeiros sábios, suas festas regadas a vinho de palma em torno a banquetes de inhame e peixe, suas evocações de noites a contemplar o céu estrelado, retratam sociedades ás voltas com problemas sérios, como a escravidão, a seca e a ameaça de fome. Mas, sobretudo, trazem o testemunho de imaginação fértil e de comunhão com a natureza. E nos despertam para buscar outras histórias desse tesouro inesgotável.
Ana Maria Machado
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Histórias Africanas
Short StoryHistórias africanas recontadas por Ana Maria Machado.