Era uma vez, lá na África, um reino que tinha um dos mais belos príncipes que já existiram no mundo. Alto e de porte elegante, era o melhor caçador, o mais forte lutador e o mais veloz corredor a atravessar as savanas. Chamava-se Kia-Tumba. Todas as moças de sua terra e das terras vizinhas suspiravam por ele. Mas ele tinha encasquetado de casar com uma moça que não era de nenhum daqueles lugres. Na verdade, nem era da terra.
— Sonhei com ela uma vez e me apaixonei. Quero casar é com a filha do Sol e da Lua.
"Sortuda essa moça", pensaram as outras. Ma o que todos os moradores do reino pensaram mesmo foi outra coisa, bem como o pai do príncipe, que perguntou a ele:
— E como é que você vai conseguir isso? Tem ao menos algum jeito de falar com ela? Mandar um recado? Fazer o pedido de casamento? E depois? Se ela aceitar, você vai se mudar para o céu? Ou ela vem morar aqui?
Verdade... Era um monte de problemas juntos. O príncipe então resolveu primeiro arranjar um mensageiro. Saiu perguntando:
— Gazela, você, que corre tão veloz, pode levar uma carta minha com um pedido de casamento para a filha do Sol e da Lua?
— Impossível Kia-Tumba. Como é que vou chegar na casa dos pais dela?
O príncipe não perdeu as esperanças. Pediu a todos os bichos velozes da terra, como o coelho, o guepardo e o antílope. Pediu a todos os bichos que nadavam e podiam seguir pela correnteza dos rios, como o peixe, o hipopótamo e o crocodilo. Pediu a todos os bichos chatinhos e pequenininhos que se metem voando em todo canto, como o mosquito, a vespa e o besouro. Pediu aos grandes pássaros que voam bem alto, como a garça, o abutre e o falcão. Todos achavam que ele tinha ficado meio maluco e respondiam:
— Impossível, Kia-Tumba. Como é que eu vou chegar lá na casa dos pais dela?
Ele guardou a carta numa caixinha de marfim e ficou esperando uma oportunidade. Sabendo disso, a rã foi falar com ele.
— Se você me der a carta, eu dou um jeito de entregar.
— Como?
— Deixa comigo que dou um jeito.
— Vou te dar a carta. Mas não zombe de mim. Se não conseguir, eu te dou é uma surra que vai acabar com você.
A rã sabia que o Sol e a Lua eram muito poderosos e tinham escravos que sempre vinham à Terra buscar água fresquinha nas fontes. Todas as rãs, sapos e pererecas sabiam disso. Ela mesma já as tinha visto mais de uma vez, num dos poços que as carregadeiras de água preferiam. E tinha um plano.
Todo dia, a rã passou a ir para junto do poço, com a caixinha de marfim onde a carta estava guardada. Não precisou esperar muito. Daí a poucos dias, as escravas chegaram, mais uma vez. Rapidamente, a rã pulou no poço com a caixa. E, quando os cântaros de argila foram baixados, ela se meteu num deles. Assim acabou sendo levada para o céu.
Ao chegar ao palácio do Sol, saltou para for do cântaro, abriu a caixinha, tirou a carta de dentro, deixou bem à vista e foi se esconder num cantinho.
Quando Sol entrou, imediatamente viu aquele envelope endereçado a ele. Abriu-o, tirou de dentro um papel e leu:
"Senhor Sol e senhora Lua,
Eu me chamo Kia-Tumba e vivo na Terra. Quero me casar com a filha do Sol e da Lua. Venho lhes pedir seu consentimento"
— Como foi que essa carta chegou aqui? - gritou ele.
Ninguém sabia dizer. Então o Sol resolveu que também não ia falar com ninguém sobre aquilo. Guardou a carta e pronto. Fez de conta que não existia.
Daí a alguns dias, a água estava acabando e as escravas voltarias novamente à Terra para ir às fontes. A rã se meteu num cântaro vazio e foi com elas. Quando chegaram ao poço, ela saltou para fora atrás de uma pedra. Depois que as moças foram embora, saltitou até a cabana de Kia-Tumba, lá na aldeia. Assim que o príncipe a viu, perguntou:
— Trouxe uma resposta para mim? Ou veio receber sua surra?
— Nem uma coisa nem outra. Vim só dizer que fiz minha parte. Entreguei a carta a quem devia. Mas ele não respondeu.
Kia-Tumba não gostou. Olhou firme para ela, de cara zangada, mas o bichinho o encarou firme e ele achou que a rã estava dizendo a verdade. Resolveu acreditar:
— Então vou escrever de novo.
E escreveu:
"Senhor Sol e senhora Lua,
Já lhes escrevi pedindo a mão de sua filha. Escrevo de novo para repetir o pedido. Prometo fazê-la muito feliz. Com todo o respeito, Kia-Tumba".
Tudo aconteceu como antes. A rã pegou a carta, esperou alguns dias junto ao poço até as escravas do Sol chegarem outra vez. Tornou a es esconder no cântaro de uma delas e foi novamente ao céu. Chegando lá, tornou a deixar o envelope bem à vista em cima da mesa e foi se esconder.
De seu cantinho, viu quando o Sol leu a carta e perguntou às escravas quem tinha trazido.
— Não fomos nós... - responderam elas.
Curioso e vendo que não conseguia descobrir, o Sol resolveu responder diretamente. Talvez assim decifrasse o mistério. Escreveu para Kia-Tumba e deixou a carta em cima da mesa.
Quando a sala ficou vazia, a rã saiu do esconderijo, pegou o papel dobrado, guardou na caixinha de marfim e ficou esperando o dia de voltar à Terra. Ao chegar lá embaixo, foi logo levar a resposta ao príncipe, que fico muito feliz:
— Que bom que você estava dizendo a verdade! E que bom que eu confiei em você!
Abriu a fola e leu:
"Kia-Tumba,
Você que me escreve e quer casar com minha filha pode ter meu consentimento. Mas antes precisa vir até aqui trazer pessoalmente seu presente para o sogro, como todo bom noivo deve fazer".
Era exatamente isso que os costumes mandavam: que o noivo acertasse com os pais da noiva um preço, geralmente em cabras, sacos de inhames, tecidos ou outros bens preciosos. Mas essa visita não ia ser possível, é claro, E Kia-Tumba tornou a escrever ao Sol:
"Senhor Sol, meu futuro sogro,
Infelizmente, essa minha viagem da Terra para o céu não será possível. Nem posso lhe enviar presentes pesados e grandes, devido às dificuldades de frete. Mas lhe mando algo menor que vale o mesmo. E fico aqui na terra cuidando dos preparativos para o casamento".
O presente era um saco com 40 moedas de cobre.
Mais uma vez, pelo mesmo sistema, a rã levou a carta e o presente. O Sol ficou todo satisfeito, mostrou á Lua, falou com a filha. Todos concordaram que aquele noivo parecia interessante. Valia a pena aceitar.
Agora, só faltava marcar a data do casamento. Ah, e o mais importante: descobrir um jeito para que a filha do Sol e d a Lua pudesse ir até a Terra. Para isso iam ser necessários os podere dos pais dela. Mas eles nem pensavam nisso.
Então a rã teve uma ideia: sempre pelo mesmo sistema da carona nos cântaros da fonte, levou até o céu umas folhas de uma planta dormideira. Quando o Sol foi se deitar e tudo ficou escuro, ela pingos nos olhos da filha deles um suco dessas filhas. De manhã cedo, a moça não conseguia abrir os olhos.
Ficaram todos aflitos, sem saber o que fazer, achando que a filha tinha ficado cega. E mandaram consultar o curandeiro do céu.
Ouvindo a história toda, o Sábio Homem disse:
— Isso não é cegueira. É um encantamento. Vocês têm de enviar a moça à Terra o mais rápido possível, para ela não morrer. Ainda hoje.
Escondida e seu canto, a rã ouviu tudo. Como as escravas estavam saindo justamente naquela hora, aproveitou para se esconder num cântaro de argila e voltou com elas para a Terra, onde se apressou a dar a boa notícia a Kia-Tumba:
— Hoje mesmo sua noiva vem.
— Como?
— Não sei. Só sei que vem.
Passaram o dia todo esperando, e nada.
É que o Sol ordenara à aranha que esperasse a noite para tecer uma teia inclinada, cor de prata, bem forte, capaz de aguentar o peso da filha deles quando ela descesse. Era numa teia assim enladeirada que as escravas costumavam vir. Uma teia tão fima que ficava quase invisível e nem mesmo a rã, tão esperta, tinha reparado nela.
Essa agora seria mais forte, para a moça poder trazer seu enxoval e seu séquito de escravas. E a Lua achava que o melhor era que eles esperassem, para que a descida fosse à noite, sem que alguém pudesse ver a rampa de fios e quisesse aproveitar para subir. No escuro era mais protegido. E quem visse alguma coisa podia achar que estava sonhando, eram só os raios do luar...
Logo que anoiteceu, devagarzinho, a filha do Sol e da Lua veio deslizando do céu à Terra, escorregando pela teia que chegava até o poço. Assim que chegou, a rã lavou os olhos dela com água da fonte, até passar o efeito das folhas de dormideira. Depois, lhe disse:
- Não tenha medo. Estou aqui para levá-la para junto de seu noivo.
Foram até a cabana de Kia-Tumba, e a rã bateu à porta. O príncipe mal podia acreditar que a moça deslumbrante com quem tanto sonhara estava ali, em pessoa, à sua frente, para se casar com ele.
— Como vê, cumpri o que prometi - disse a rã. E se afastou aos pulos, sem nem esterar uma recompensa.
Foi assim que um homem da Terra se casou com a filha do Sol e da Lua. E é por isso que todas as sãs foram sempre muito protegidas por todos os descendentes deles.
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Histórias Africanas
Short StoryHistórias africanas recontadas por Ana Maria Machado.