VII

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Os Dois Breves, Branco e Verde


Negócios importantes, minha senhora, tinham obrigado meu pai a deixar sua fazenda e a vir passar alguns meses na Corte; eu o acompanhei, assim como toda a nossa família. Isto foi há sete anos, e nessa época houve um dia... mas que importa o dia?... eu o poderia dizer já; o dia, o lugar, a hora, tudo está presente à minha alma, como se fora sucedido ontem o acontecimento que vou ter a honra de relatar; é uma loucura a minha mania... embora... Foi, pois, há sete anos, e tinha eu então treze de idade que, brincando em uma das belas praias do Rio de Janeiro, vi uma menina que não poderia ter ainda oito.

Figure-se a mais bonita criança do mundo, com um vivo, agradável e alegre semblante, com cabelos negros e anelados voando ao derredor de seu pescoço, com o fogo do céu nos olhos, com o sorrir dos anjos nos lábios, com a graça divina em toda ela, e far-se-á ainda uma idéia incompleta dessa menina.

Ela estava à borda do mar e seu rosto voltado para ele; aproximei-me devagarinho. Uma criança viva e espirituosa, quando está quieta, é porque imagina novas travessuras ou combina os meios para executar alguma a que se põe obstáculos; eu sabia isto por experiência própria, e cheguei-me, pois, para saber em que pensava a menina; a pequena distância dela parei, porque já tinha adivinhado seu pensamento.

Na praia estava deposta uma concha, mas tão perto do mar, que quem a quisesse tomar e não fosse ligeiro e experiente, se expunha a ser apanhado pelas ondas, que rebentavam com força, então.

Eu vi a travessa menina hesitar longo tempo entre o desejo de possuir a concha e o receio de ser molhada pelas vagas; depois pareceu haver tomado uma resolução: o capricho de criança tinha vencido. Com suas lindas mãozinhas arregaçou o vestido até aos joelhos, e quando a onda recuou, ela fez um movimento, mas ficou ainda no mesmo lugar, inclinada para diante e na ponta dos pés; segunda, terceira, quarta, quinta onda, e sempre a mesma cena de ataque e receio do inimigo. Finalmente, ao refluxo da sexta, ela precipitou-se sobre a concha, mas a areia escorregou debaixo de seus pés; e a interessante menina caiu na praia, sem risco e com graça; erguendo-se logo e espantada ao ver perto de si a nova onda, que dessa vez vinha mansa e fraca como respeitosa, correu para trás e sem pensar atirou-se nos meus braços, exclamando:

— Ah!... eu ia morrer afogada!...

Depois, vendo-se com o vestido cheio de areia, começou a rir-se muito, sacudindo-o e dizendo ao mesmo tempo:

— Eu caí! eu caí!...

E como se não bastasse esta passagem rápida do susto para o prazer, ela olhou de novo para o mar, e tornando-se levemente melancólica, balbuciou com voz pesarosa, apontando para a concha.

— Mas... a minha concha!...

Ouvindo a sua voz harmoniosa e vibrante, eu não quis saber de fluxos nem refluxos de ondas; corri para elas com entusiasmo e, radiante de prazer e felicidade, apresentei-me à linda menina, embora um pouco molhado mas trazendo a concha desejada.

Este acontecimento fez-nos logo camaradas. Corremos a brincar juntos com toda essa confiança infantil que só pode nascer da inocência, e que ainda em parte se dava em mim, posto que já a esse tempo fosse eu um pouco velhaquete e sonso, como um estudante de latim que era, e que por tal já procurava minhas blasfêmias no dicionário.

É sempre digno de observar-se esta tendência que têm as calças para o vestido... Desde a mais nova idade e no mais inocente brinquedo aparece o tal mútuo pendor dos sexos... e de mistura umas vergonhas muito engraçadas...

Eu cá sempre fui assim; quando brincava o tempo-será, por exemplo, sempre preferia esconder-me atrás das portas com a menos bonita de minhas primas, do que com o mais formoso de meus amigos da infância.

A Moreninha - Joaquim Manuel de MacedoOnde histórias criam vida. Descubra agora