Cinzas

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A floresta era tomada pelos sons noturnos junto à melodia fúnebre do ferro escavando a terra endurecida pelo frio londrino. Os galhos estalando eram audíveis ali perto e Bradley estava certo que animais curiosos lhe observavam em seu ato apático e brutal. Já fazia algum tempo que o homem cavava a cova, até o singelo brilho do luar realçava a camada de suor nos seus braços desnudos sob a brisa fria que o fizera arrepiar.

A certeza da plateia animal só o fez se esforçar em deixar a vala o mais funda possível com seus braços cansados.

Bagunçando seus cabelos loiros, Bradley encostou-se sobre a pá escorada no chão duro. Seus olhos pousaram sobre o cadáver, os olhos abertos cruelmente tapados por poeira. Tinha certeza de que não conseguiria mover sequer um dedo da carne rígida e morta. Os cabelos escuros da garota estavam espalhados dramaticamente à volta de sua, cabeça trazendo uma leve ironia a mente do jovem. Quando viva parecia sempre se preocupar com a aparência dos fios.

Um suspiro escapou por seus lábios azulados pelo frio. Finalmente o trabalho estava feito.

Bradley se aproximou da garota, fechou seus olhos com certo pesar e a pegou com cuidado, como se a qualquer momento seu corpo rígido fosse quebrar-se em milhares de estilhaços, ela parecia tão frágil como sempre parecera.

Se virando deparou-se com a cova novamente. Por um momento, pode ter certeza que sentira alguma pulsação vinda da menina em seus braços, mas rapidamente convenceu-se de que não passava da sua mente perturbada pregando-lhe peças. Havia sido apenas mais um dia comum cheio de acontecimentos incomuns, capaz de deixar qualquer um confuso.

O loiro deixou o corpo pesado na vala e logo se pôs a jogar a terra sobre a mulher, seus olhos se perdendo em um momento de despedida enquanto observava o rosto pálido pela falta da pulsação. Tinha certeza de que sua pele chegava a estar azul com o frio assolador.

Os raios do Sol se faziam presentes entre as árvores alongadas enquanto Bradley refazia seu caminho, por seus lábios agora rosados escapava uma música assobiada, Arabella de Arctic Monkeys. Algo trazia um tom perturbador naquela melodia, porém com todos aqueles acontecimentos não era de todo estranho. Mais uma vez um sorriso de escárnio vinha aos seus lábios, de fato aquela música não combinava com ela, contudo também de fato ela era gentil.

Era.

A palavra ressoava em sua mente atormentando-lhe. A morte nunca parecera tão faceira aos olhos de Bradley, era a única coisa realmente eterna que existia na terra.

Mais uma vez se viu parado observando algo com ironia. A pilha de destroços do que antes fora um prédio elegante adequando-se a bela Londres cheia de costumes prezados e hediondos, ao menos era a única Londres que aquele homem conhecia.

O ar em volta dos restos queimados estava abafado pelo calor emanado através das cinzas ainda quentes. A comoção se seguia envolta do que antes fora um laboratório secreto, os bombeiros ainda apagavam o fogo. Deveriam ter passado a noite toda ali, enquanto Bradley fazia o trabalho de enterrar a mulher.

Ele só pode observar as cinzas debaixo de seus pés e logo passou a sola grossa de sua bota deixando o rastro sinuoso pela poeira. Seu ódio se dirigia até mesmo aos restos decrépitos daquele lugar horroroso.

O garoto se virou colocando o capuz sobre sua cabeça. Só queria chegar em casa e fingir que aquilo nunca existiu, que havia apenas sido um pesadelo. Queria esquecer o horror que passara.

O caminho que fizera havia sido apenas algo automático, sequer notara por onde passava até finalmente estar frente à placa chamativa e desgastada do teatro abandonado. Finalmente uma sensação de familiaridade, mas a perturbação continuava a corroê-lo por dentro.

Radioativo - O Fim do MundoOnde histórias criam vida. Descubra agora