prologue

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17 de outubro de 2001

"Papá papá conta mais a mim! Conta mais a mim!" Jeongguk grita contente, saltando até ao maior. O livrinho cheio de cores e desenhos sendo esquecido no chão.

"De novo?" O pai sorri, pousando as suas coisas no chão, enquanto fecha a porta de entrada.

"Sim sim de novo papá, por favor!" Sorri.

"Titios titios!" O outro aproxima-se, empurrando os óculos grandes demais para si, que lhe deslizam pelo narizinho, também este se esquecendo do iogurte que comia.

Os irmãos sentam-se no sofá da forma habitual: Jeongguk com o irmãozinho no colo. Prontos para ouvir pela enésima vez a história do pai, os irmãos agarram-se, arregalando os olhos a cada palavra ouvida. Ambos adoravam ouvir aquela história, não importa quando fosse. Mesmo que estivesse modificada pelo pai. Eles não precisariam de saber disso. Pelo menos por enquanto.

6 de fevereiro de 1984

Taehyung chutava as pedrinhas do chão, enquanto perambulava pelas ruas movimentadas de Daegu. Devia estar na Universidade naquele momento, mas tinha de entregar mais um trabalho. Mais um que ele não realizou. Então decidiu faltar mais um dia. Que mal faria afinal? Não era a primeira vez que o fazia e certamente não seria a última. Devia aproveitar mais a vida afinal, não apenas basear-se na rotina e no habitual. Devia. Essa é a palavra chave. Taehyung não gosta de fazer as coisas porque deve, então simplesmente não faz. Qualquer coisa que ele faça agora vai ser esquecida um dia, então para quê fazê-las? Não é como se fosse algum tipo de génio que descobrisse a cura para alguma doença rara ou existência de vida em algum planeta, bem, bem longe. Doença. Irónico. Taehyung esboça mais um dos seus sorrisos debochados, sem vida, continuando a andar sem rumo algum. Nunca teve rumo mesmo, uma única vez. Sempre foi ele e apenas ele. E estava bem com isso. Não gostava de pessoas, de qualquer das maneiras. Ficar sozinho sempre era uma escapatória. Os pensamentos percebem-no, as pessoas não.

Suspira quando percebe que acabou no mesmo sítio de sempre. Parque. Não um parque qualquer. O seu parque. Taehyung senta-se no banco habitual, o mais afastado possível de todas as pessoas, olhando para todas as crianças sorridentes e energéticas, enquanto brincam umas com as outras. Embora soubesse que a rotina não fazia bem, Taehyung não lhe tenta fugir. Não tenta fugir a nada, na verdade. Sempre foi bom a aceitar o que tem e o que não tem. Não devia lutar pelo que não tem e proteger o que tem. Mais uma vez: para quê? Não vale a pena, de qualquer das maneiras. Taehyung não tem nada. Nada que não seja material, pelo menos.

Uma criança chuta a bola longe demais, chegando perto de Taehyung, que não se mexe um único centímetro para a apanhar e devolver. Socialização desnecessária. Teria de sorrir para a criança para que ela não se assustasse, esticar-se e talvez até se levantar para apanhar o objeto – que agora rolava para longe – e então dizer-lhe algo como "Aqui tens miúdo, cuidado para não a mandares demasiado longe na próxima vez, pode chegar à estrada e isso é perigoso." (vinte e uma palavras), teria de sorrir novamente e esticar-se – de novo – para então passar a bola à criança, enquanto a mesma agradecia, sorrindo como se não houvesse problemas no Mundo. Bem, pelo menos não no seu mundo, mas ela que espere só mais uns dez anos. Nah, Taehyung iria apenas fingir que estava focado demais no canteiro de papoilas para perceber o objeto passar por si. A criança é que a mandou longe demais, de qualquer das maneiras. Não é como se tivesse sempre alguém ao seu lado que fizesse tudo por si. Taehyung sabia perfeitamente que isso nunca seria assim. A criança sabê-lo-ia também, futuramente.

Ok, talvez Taehyung estivesse a julgar demasiado a simples criança, que agora corria de volta para o seu grupinho, com a bola debaixo do braço, sorridente – como sempre –, mas a verdade é que as crianças o irritavam. Não as crianças em si. A sua felicidade. O facto de conseguirem estar sempre felizes. Taehyung odiava pessoas felizes demais. Todos nós temos partes infelizes, todos nós temos problemas. Porque as pessoas insistem em escondê-los e agir como se não soubessem sequer que a palavra "problemas" existe? Porque não tentam fazer nada em relação a isso, em vez de fingir que não estão lá?Não é como se Taehyung fizesse algo em relação aos seus. Mas Kim Taehyung é Kim Taehyung. Kim Taehyung é diferente. Kim Taehyung é errado. Tudo acerca de Kim Taehyung é errado. E ele sabe disso. Não tenta lutar, aceita. Aceitou desde o início.

Cansado de observar as mesmas crianças todos os dias, Taehyung levanta-se do banco, voltando a andar para onde quer que os seus pés o levassem. Não tinha planos mesmo. Tinha saudades de casa. Isso mesmo. Saudades da sua cama, onde podia dormir e dormir até nunca mais acordar. Parece um bom plano.

Taehyung desviava-se de todas as pessoas que passavam por si, tentando evitar qualquer tipo de contacto desnecessário, enquanto apertava os punhos dentro dos bolsos do casaco. Nevava em Daegu e Taehyung gostava disso, gostava do frio. Taehyung gostava da Natureza no geral. Gostava do que era natural. Estanca, olhando o céu claro. Sentia-se sozinho. Embora gostasse de estar sozinho, não era algo que queria sempre. Era confuso. Mas afinal, o que não era confuso acerca de Taehyung? Todo ele era confuso. Taehyung gostava de estar sozinho, não de se sentir . Não queria ser só sozinho. Queria ser sozinho apenas.

Mais um suspiro lhe escapa dos lábios quando percebe que se encontra, agora, na estação de metros. Boa, um sítio apinhado de pessoas, totalmente o seu estilo. Revira os olhos internamente, olhando para as placas cheias de riscos às cores. Ao menos que vá a algum lugar, já que ali se encontra.

Taehyung não partilhava do mesmo sonho que grande parte das pessoas. Ele não queria conhecer o Mundo. Não tinha curiosidade. Acreditava que não havia lugar algum que o impressionasse, todos eles são iguais. O Mundo não tem nada diferente, não importa a cidade ou o país que seja. Todo ele está corrompido. Taehyung tanto está triste em Daegu, como em Nova Iorque. Nada muda, apenas o idioma e cultura.

Quando um metro para à sua frente, apenas entra, sentando-se num dos poucos bancos vazios, encostando-se para trás e fechando os olhos. Sentia-se cansado. Talvez fosse por não conseguir dormir há duas noites. Ou simplesmente porque sim. Sentia-se cansado de viver.

Os barulhos estranhos que o seu estômago faz, clamando por comida, são ignorados com sucesso, quando Taehyung se sente ir para o além. Parece que finalmente consegue adormecer. No sítio mais estranho de sempre. Mas, mais uma vez: o que é que acerca de Taehyung não é estranho?

[...]

Taehyung abre os olhos com rapidez quando sente tocarem-lhe no ombro, de uma forma nada simpática. Um homem de farda encontra-se à sua frente, parecendo impaciente.

"Chegámos à última paragem. Vai ficar aí ou espera que o leve à rua?" O homem pergunta rudemente.

Taehyung apenas olha para as portas abertas do metro e levanta-se, pegando na sua mala. Sai sem lançar um último olhar ao homem rabugento.

Onde estava Taehyung? Era uma boa pergunta. A única coisa que sabia era que tinha entrado no primeiro metro que viu e agora estava com sono. E fome.

Andou para longe da estação, olhando os vários cartazes espalhados pelas ruas. As pessoas passavam de forma apressada por si. Devia ser hora de voltar para casa depois de mais um dia exaustivo de trabalho. Enfia a sua mão dentro da sua mala, procurando o seu telemóvel. 19h11. É. Logo este avisa que está a ficar fraco, recebendo apenas um encolher de ombros por parte do dono, como resposta. Não é como se o usasse, de qualquer das maneiras. Apenas o tinha porque os seus avós o obrigaram a comprar, para "manterem contacto". Como se se importassem o suficiente para lhe ligarem de vez em quando, sequer. Se precisassem de dinheiro, talvez.

Sentindo-se mais cansado ainda, agora que não sabia sequer onde estava, Taehyung voltou a andar, optando por ruas menos movimentadas. Bastaram apenas alguns quilómetros para que a sua respiração acelerasse, e deu graças a Deus – que nem acreditava que existia – quando viu um banco ao longe, numa rua que continha algumas casas. Sentou-se e voltou a pegar no telemóvel, só mesmo para ver quanto tempo tinha passado desde a última vez que viu as horas, e suspirou – pela milésima vez só naquele dia – quando o ecrã não acendeu. Tá, morre-me agora, eu não quero saber mesmo.

O seu erro foi mesmo fechar os olhos, pois não voltou a dar por si depois disso, caindo na escuridão mais uma vez. O cansaço a vencer. Num sítio ainda mais estranho desta vez.

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