Quatro Elementos

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Colocar palavras no papel sempre foi muito fácil pra mim, agrupa-las de modo que todos aqueles sentimentos amontoados em diversos contextos criassem curvas sempre me fez feliz. Me sinto a mulher com os quatro elementos nas mãos. Sou pintora de experiências ou apenas uma criadora de ilusões, mas ultimamente ando lidando com a mais complexa e maravilhosa das sensações.

Durante boa parte da vida todos nós já tivemos o coração partido pelo menos uma vez, comigo não foi diferente, e quando as coisas dão terrivelmente errado as palavras parecem se encaixar perfeitamente bem em milhares de textos e poesias, criados por escritores que tentam desesperadamente obter algum conforto ou dar algum sentido às tantas tentativas não correspondidas de ter alguém ao lado. É incrível como colocar os sentimentos em lacunas vazias parece tão fácil mesmo que tudo esteja tão sombrio ou mesmo turbulento, talvez essa arte esteja justamente no dom de usar as palavras para curar as próprias feridas, curei muitas das minhas assim, com simples metáforas em textos munidos de profundidade e significado. É e sempre foi a minha maneira de dar um basta em assuntos que colocavam a mente em constante estado de caos, desde coisas que eu diria se pudesse ter feito isso ou aquilo de modo diferente, até aprendizados tirados de situações sem expectativa visível de sucesso.

É muito fácil criar tempestades no papel. Mas e quando o amor acontece?

Se me perguntarem quando exatamente me vi de frente a esse sentimento certamente não saberia responder, mas tenho bons palpites de como cheguei a esse ponto, de como chegamos a esse ponto. Eu tinha os quatro elementos nas mãos e fui perdendo o controle deles um a um, como num passe de mágica cada qual começou a ter poder próprio independentemente da minha vontade. A verdade é que tudo aconteceu tão lenta e naturalmente quanto o passar das estações do ano e eu mal me dei conta.

De início o Ar me trouxe a mais gostosa das ventanias, não era aquela que revira casas e tira tudo do lugar, era o tipo de ventania que movia qualquer nevoeiro pra longe e deixava o céu limpo, era possível ver estrelas lá em cima, aqui embaixo estávamos nós. Nós porque a partir do momento em que encarei aqueles olhos percebi que não era mais a única protagonista dessa história, os dias viraram meses, a atração virou realidade, o beijo mais intenso, o abraço virou abrigo e minha ventania virou uma deliciosa brisa da qual eu aproveitava ao máximo com aquela pessoa que aparentemente queria estar comigo também.

A Água por sua vez veio como o mar, sendo bem honesta meu coração sempre foi representado por ele, ora revolto e imprevisível ora calmo e acolhedor. Muitas vezes no decorrer daqueles meses me peguei olhando aquela imensidão azul e pensei no quanto eu tinha sorte, fechava os olhos sentindo o cheiro da água salgada e me via por dentro de um jeito que nunca tinha acontecido: antes era completa mas naquele momento a pessoa que pouco a pouco tomou conta dos meus dias e dos meus pensamentos me fazia transbordar. As ondas fizeram bem o seu papel levando pra longe qualquer dúvida ou insegurança, e então eu pude mergulhar sem medo algum, seguindo aqueles movimentos que tanto me traziam paz e em águas tão claras quanto meus pensamentos todos em ordem.

Camões deixou registrado em um de seus versos que "amor é fogo que arde sem se ver" e eu particularmente nunca vi tal elemento tão bem colocado, o tempo passou cada vez mais e quando me dei conta o sentimento já havia me consumido quase por inteiro. Pela primeira vez deixei que todas aquelas palavras bonitas me envolvessem, me permiti encantar com os bons gestos tão específicos que nunca havia recebido de alguém, me apaixonei pura e simplesmente pelos mínimos detalhes. Aquele homem ultrapassara todas as idealizações que tive na vida pelo simples fato de que sempre aceitei muito pouco, ele em contrapartida me ofereceu o mundo, seu mundo. O Fogo cumpriu seu papel fazendo meu corpo e coração arderem como nunca antes, a reciprocidade era sem dúvida alguma o fato mais emocionante.

Certo dia resolvi tentar escrever um texto como esse expressando em qualquer metáfora que fosse a felicidade que sentia de ter aquela pessoa na minha vida, porque nós estávamos vivendo o agora e era incrível. A sensação de ter um dando o seu melhor pelo outro sem jogos ou múltiplas incertezas era sem igual, poder tocar aquele rosto e me comunicar com o olhar? um dos meus maiores privilégios, o tempo passava mais devagar quando o corpo dele estava junto ao meu, eu moraria dentro daquele abraço se ele me fizesse um mínimo convite, amava olhar pra ele. Me peguei com a caneta presa entre os dedos e as pautas sem uma palavra sequer, porque não haviam tempestades ou lagrimas em meio ao meu mar revolto, não me entristecia por sentir demais e sentir sozinha. A verdade estava estampada bem ali, como me expressar sobre algo que outrora só havia me causado dor? a minha felicidade consistia naquele terremoto chamado amor.

Por fim (ou por começo) a Terra foi o último elemento a sair de minhas mãos e tomar seu próprio rumo a fim de melhorar o meu próprio. Afinal o amor era suficientemente forte para uma atitude que aos olhos de muitos parece tão drástica? estaria eu me precipitando e sonhando alto novamente? a Terra é vasta e para bom entendedor uma única conversa basta. Naquela noite aqueles olhos foram fundo em minha alma, o solo abaixo de meus pés se fez ainda mais firme porque eu soube que a partir dali caminharia com ele de mãos dadas e coração aberto.

Os quatro elementos trabalham juntos, a caneta agora desliza pelo papel. Meu maior presente é como o chamo, além de me dar o mundo esse homem me ensinou a sutil arte de dizer eu te amo.

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