NEVOEIRO

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     Ela avançava mesmo sem conseguir ver um palmo a sua frente. Teoricamente ainda era dia, mas aquele nevoeiro espesso mais parecia uma parede cinza erigida a um palmo do seu nariz.

     O que era para ser uma compra matinal de pão a duas quadras de casa se tornou a jornada mais longa da vida dela. Era o seu primeiro ano em São Cipriano. Já tinham falado para ela que naquela época do ano evitasse sair de casa muito cedo, pois a névoa que ia até às sete ou oito horas da manhã era horrível e muito cerrada. Tanto que naqueles meses o horário de funcionamento de muitos estabelecimentos só começava depois das dez da manhã.

     Quando saiu de casa, a névoa ainda era leve, ela praticamente podia ver o quarteirão seguinte onde se encontrava a padaria. Era costume dela, e como conhecia o dia a dia do estabelecimento, saberia que naquele horário já estaria funcionando.

    Foi quando atravessou a rua que o nevoeiro de repente se tornou praticamente intransponível. Escutara uma buzina, mas não viu nenhum carro passar. Mal tocou o outro lado da calçada, procurou por um muro, uma parede para se sustentar, mas estranhamente parecia que o quarteirão inteiro tinha desaparecido. Seguiu andando, pois pensou que em algum momento aquele nevoeiro iria se dissipar. Ela iria chegar em algum lugar! Pelo pouco tempo que morava ali, conhecia minimamente as redondezas de sua casa, tinha noção onde ficava o Pier, a Feira, o Morro de Santa Justina e o Parque Central.

     Finalmente começou a ver os vultos das pessoas ao longe e ficou feliz pois finalmente o nevoeiro estava se dissipando. As construções começaram a aparecer novamente. Contudo, ela não conseguia reconhecer onde estava.

     Parou um pouco e olhou ao redor, tentava se situar. Pelas construções e pela topografia, ela parecia estar entre o Morro de Santa Justina e o Parque Central. Os casarões barrocos, conhecidos como Palacetes, estavam deteriorados - muito diferente do que ela conhecia. O morro parecia ser o de Santa Justina, mas não havia lá no topo a estátua da Santa nem o famoso teleférico.

     Mesmo assim, pelo rumo que estava andando, ela estaria no sentido oposto, rumo a feira. Imaginou que talvez tivesse perdido o senso de direção devido ao nevoeiro. Os vultos que ela conseguia ver ao longe pareciam flutuar, pois não era possível ver da cintura para baixo devido à névoa.

     Ela tentou se aproximar para perguntar a alguém onde ela estaria mas percebeu que aquelas pessoas tinham algo estranho. De longe, seus membros pareciam desproporcionais. Pareciam estar grudados a algo quase translúcido, mais parecido com as pessoas normais.

     Tudo bem que ela tinha deixado os óculos em casa, mas seu grau não era tão grande ao ponto de enxergar as coisas tão disformes. Esfregou os olhos para ver se enxergaria melhor, mas nada mudou. Estava assustada. Parou e tentou se acalmar. Contudo, parece que o medo dela chamara a atenção daquelas criaturas, que vieram levitando rapidamente em sua direção.

     Ao se aproximar, via alguns entes com rostos disformes, bocas muito grandes, vazias, outras, com enormes olhos completamente brancos, sem vida, ainda outras sem rosto, apenas uma massa gelatinosa que ocupava a sua face. Eles avançavam rapidamente em sua direção. Ela começou a correr quase que instintivamente buscando o caminho de casa.

     Cruzou a névoa com a coragem que o desespero dá. Rapidamente voltou ao sobrado que estava morando de aluguel. Olhou para trás, aquelas criaturas pareciam corvos vorazes encobertos pelo nevoeiro. Subiu as escadas, abriu a grossa porta de madeira que dá acesso ao seu quarto e a bateu fortemente, ativando a antiga trava de molas.

                                                                                            * * *

     Acordou de um sobressalto coberta de suor em sua cama. Olhou para o relógio de cabeceira e viu o horário, 6:13 AM. Suspirou aliviada pois tudo fora apenas um pesadelo. Levantou-se e foi abrir a cortina. Para a sua surpresa, o denso nevoeiro a impedia sequer de ver o havia além da antiga sacada. Seu coração acelerou novamente.

     A grossa porta de madeira do seu quarto tremia com a intensidade das batidas que quase punham a porta ao chão. Alguém do lado de fora estava forçando o trinco para entrar. Ela olhava ao redor, encurralada, pensando para onde poderia fugir enquanto via as sombras pela fresta da porta se revolvendo.

     Correu para o guarda roupa. Abriu a porta e se trancou, rezando para que não fosse encontrada. As batidas na porta pararam ao mesmo tempo em que ela ouviu um sussurro ao pé do seu ouvido:

     - Eles também estão atrás de você?

CONTOS DE TERROR E SUSPENSE DE SÃO CIPRIANOOnde histórias criam vida. Descubra agora