CAÇADORES E PRESAS

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     Eu e Luís, meu primo, tínhamos saído para caçar pacas com seu cachorro Iron – que tinha uma cor castanha avermelhada. As pacas são mais fáceis de caçar à noite, e como elas andam em bando, seria mais fácil pegar várias para garantir a carne para o final de semana.

     Seguíamos o rastro de um bando, parecia ter umas cinco ou seis pacas grandes. A mata estava tão fechada que estávamos praticamente andando de cócoras, eu e meu primo estávamos com as nossas cartucheiras, peixeira e o bornal. Iron seguia em frente, praticamente correndo, seguindo o cheiro das pacas. A mata seguia cada vez mais fechada, até que não desse mais para ver o brilho da lua. Seguíamos abrindo caminho com o facão.

     Num dado momento, Iron seguiu muito mais rápido que a gente, tanto que nós o perdemos de vista. Tudo aconteceu muito de repente. Segundos após perdermos o cachorro de vista, escutamos o seu choro, um rápido grunhido e uma pancada seca. Nós paramos por um instante. Haveria outro caçador ali? Teria ele feito mal a Iron? Parei para ver se ouvia mais algo. Já Luís seguiu a toda velocidade, já com a arma em punho e gritando pelo seu melhor amigo. Seu grito saía levemente embargado, acho que seus olhos já estavam marejados, imaginando o pior.

     Quando comecei a seguir Luís, a quem tinha perdido de vista por dois ou três segundos, no máximo, ouvi um disparo. Foi a cartucheira de Luís com certeza! Corri em sua direção, empunhando a arma e com o dedo já leve no gatilho. Pouco depois escutei seu grito de dor. Quando cheguei, havia uma sombra sobre ele, acho que deveria ter mais de dois metros de altura. Disparei na criatura sem pensar. Ela olhou para trás, onde eu estava. Aqueles olhos eram vermelhos e brilhavam como brasa quente! Engoli a seco e atirei novamente, sem fazer mira alguma. A criatura emitiu um urro e sumiu por entre as copas das árvores. No pulo, percebi que aquela criatura possuía uma espécie de cauda, semelhante à de um crocodilo.

     Luís se remexia no chão e estava sangrando muito. Ao seu lado, estava o que restou da cabeça de Iron. Engoli seco e fui ajudar Luís a se levantar. Ele tinha três cortes profundos na coxa. Tirei a minha camisa e amarrei nele, fazendo um torniquete. Estava com medo daquilo voltar. Com um braço dava apoio para ele caminhar e com o outro segurava a cartucheira. Tentávamos voltar para a fazenda o mais rápido possível. Sentia-me o tempo todo sendo observado, como se a presa ali fosse eu.

     Num dado momento, ao passar por um arbusto muito denso, pedi para Luís ir à frente. Ele me olhou nos fundos dos olhos e disse:

     – Você não acha que seria mais rápido você passar primeiro e depois me puxar? Se eu for à frente, vou empatar você! Bora, agiliza homem!

      Segui me arrastando até chegar ao outro lado. Virei-me e comecei a puxar Luís. De repente, a mata se calou. A copa das árvores balançou como se algo muito pesado estivesse nelas. Puxei Luís com todas as minhas forças. Estávamos com os dois braços conectados, tracionados.

      Aquilo tinha retornado. Pude ver, no outro lado do arbusto, aqueles olhos vermelhos brilhando como brasas. Juro que pude ouvir um riso, como se estivesse caçoando de nós.

     Luís arregalou os olhos. Ele olhou no fundo da minha alma, num olhar com o misto de dor, tristeza e despedida. Abriu a boca, de onde saiu um bocado de sangue. Não tive forças o suficiente e aquilo sugara Luís para dentro do arbusto novamente. Dessa vez, ele emitira um urro ensurdecedor. Peguei minha arma e dei mais uns três tiros, até ela ficar descarregada. Dei meia volta e saí correndo. Já era possível ver a Vinícola Monteiro à frente. Corri desesperadamente pedindo por ajuda e graças a Deus me encontraram!

     – Então, senhor João Amaral Gonçalves, você quer que eu acredite que a morte de Luís Fábio Amaral, seu primo, foi por causa de um bicho, um monstro, uma aparição no meio do mato?! – disse o Delegado de Polícia, em tom ríspido, me encarando.

     Calei–me e baixei os olhos. Fui tolo em pensar que ele acreditaria em mim.

     – Sr. João, vou te deixar ciente de todas as provas que há contra o senhor – enquanto isso, ele pegara um relatório e começou a lê-lo por alto, folheando-o.

      – Primeiro, o senhor estava coberto pelo sangue de Luís, a vítima. Segundo, nas unhas de Luís, foi encontrado o seu DNA, o que indica que houve luta corporal. Terceiro, os projéteis encontrados nos restos mortais de Luís foram originados de sua arma. Quarto, os cortes encontrados nas partes coletadas do que sobrou do pobre Luís são condizentes com golpes de facão, que o senhor mesmo disse que portava naquele momento. E, por último mais não menos importante – encostou o relatório na mesa e se levantou, aproximando–se de mim e quase sussurrando ao meu ouvido – O senhor teve um caso amoroso com a esposa dele. O que acha?

      Tremi. Senti que já tinha sido condenado. De tudo o que ele tinha falado, só me envergonhou de ter, de fato, um caso que tive com a mulher do finado Luís.

     – João, João... por que não fala onde está o que falta dos restos mortais de finado Luís e coopera? – disse o Delegado em tom conciliador – Quem sabe o senhor não consegue uma redução de pena? Quem sabe a família dele o perdoe se permitir ao menos um enterro digno?

     Calei. Eu já tinha contado a verdade. Engoli a seco mais uma vez e baixei a minha cabeça. Nunca em minha vida teria coragem ou imaginação o suficiente para mudar aquela situação.

     – É isso então? – perguntou mais uma vez o Delegado, em tom assertivo – Vai manter essa versão? – falou em tom pejorativo.

     – Sim Doutor. Foi o que aconteceu.

      Passou as mãos no rosto, bufou como se estivesse de saco cheio daquilo tudo e bradou:

      – Policiais, levem esse homem para a prisão! Ele vai esperar pela decisão do juiz guardadinho no xilindró!

      Efoi assim que eu acabei aqui, preso. Quando os agentes fecharam a cela, quandoouvi o estalo metálico do cadeado sendo fechado, pensei: "Será que não teria sido melhor eu ter sido mais uma presa?"

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