Os rapazes estavam parecendo cães farejadores. Estavam com os ouvidos aguçados. Ouviam risadas e gritinhos femininos, som de violão, festa e felicidade ao longe e tentavam se aproximar.
Eles não entendiam direto qual era a música que estavam ouvindo, mas era bem animada. Aquilo seria inglês? Enfim, naquela área de mata atlântica, próximo de uma lagoa de águas transparentes, ao pé da Serra grande, aquela tarde estava muito convidativa para uma festa.
Após bisbilhotar por entre os arbustos, eles conseguiram ter uma visão deslumbrante: quatro belas jovens de belezas diferentes estavam a se banhar no lago. Enquanto uma delas tocava violão na margem, as outras riam, dançavam e festejavam. Elas deveriam ter entre dezoito a vinte anos. As carnes eram firmes, os rostos sem marcas e peles de uma perfeição angelical. A leveza e a alegria delas os atraiam como as mariposas são atraídas pela luz.
Eles apareceram então bem tímidos e, tentando não assustar, perguntaram:
- Olá meninas, boa tarde! Tudo bem? Desculpem incomodar, mas nós estávamos fazendo trilha por aqui perto e ouvimos a música de vocês... - o primeiro ficou sem ideias, ao que o mais baixo continuou, com um sorriso amarelo nos lábios:
- Pareceu bem animado! Podemos ficar aqui um pouco? Trouxemos bebidas!
As moças se entreolharam, parecia que elas conseguiam conversar apenas pelo olhar. Os rapazes perceberam o estranhamento daquela situação. A música parou. Por instantes o silêncio reinou substituído por uma intensa troca de olhares pelas partes.
- Que tipo de pessoa vai fazer trilha e leva bebida? – perguntou em tom sério a ruiva que estava tocando violão, encarando os rapazes.
- É... desculpa. Na verdade são isotônicos! Disse o moreno baixinho, sacando da mochila uma garrafa de cor laranja. Após pigarrear, emendou:
- Soube que são ótimos para evitar ressaca! – disse rindo nervosamente.
A bela morena de olhos claros e traços indígenas, que estava com uma roupa de academia interrompeu:
- Clara, deixa de ser chata! Esse é dos meus! E gargalhou, chamando-os para a lagoa! Venham! O dia está insuportavelmente quente!
Os rapazes se aproximavam da lagoa, ainda tímidos.
- Vocês não vão entrar na lagoa com essa roupa toda, não é? Indagou a loira com um sorriso malicioso. Essa calça e essa bota de vocês vai demorar horrores para secar!
Ao observar as meninas, elas estavam realmente com roupas muito leves, biquínis um tanto provocantes, sendo que quem estava mais coberta era Clara, com um vestido leve, bege claro com estampa de florais. Ela começava a dedilhar as cordas do violão novamente.
- Desculpem os meus modos! Nem sequer nos apresentamos! Meu nome é Mário - disse o moreno baixo -, esse meu amigo que tentou iniciar a conversa é o Andrey.
- Olá! – disse Andrey ainda introvertidamente. Ele era um tipo alto, com rosto quadrado, com feições duras, tinha um quê russo.
- Olá garotos, bom dia! Somos Ana, Clara, Lara e Rita. - respondeu a loira, que claramente era mais extrovertida das meninas, e complementou:
- Eu que sou a loira - e seguiu apontando para as demais, na ordem em que dizia os nomes - a ruiva chata do violão, a nossa índia gata e a nossa musa de ébano!
- Prazer em conhecê-las! E após uma breve seção de abraços e beijos mútuos, emendou:
- Só por curiosidade, o que vocês estão comemorando? - Mário, mais acostumado a se enturmar, retomou a conversa.
Com um sorriso de orgulho nos lábios, Clara respondeu:
- Vocês estão olhando para as mais novas estudantes de medicina da URSC! Menos eu, que entrei para direito.
Os garotos deram os parabéns e disseram que estavam cursando Educação Física. Já estavam tomando os drinks que as moças haviam trazido. Uma das bebidas tinha o sabor de cozumel, a outra tinha o sabor semelhante ao chopp de vinho doce.
Após algum tempo, quando eles saíram para encher novamente os copos, eles trocaram algumas palavras:
- E aí? Tá fácil, não é? – sussurrou Mário.
- O problema será tirar elas daqui. Como faremos para leva-las para as nossas barracas?
Enquanto eles iam enchendo os copos, Rita falou ao longe:
- Vou deixar as coisas de vocês mais perto do carro, para não terem como esquecer, ok?
Talvez os rapazes não tivessem ouvido direito. De qualquer forma, ela tinha entendido o aceno como um sinal positivo.
Enquanto ela movia a mochila com as coisas dos rapazes, ela notou uma pequena mancha de sangue perto da base de uma das mochilas, que era de um material de cor jeans costurado com couro. Com olhar assustado, chamou Clara, que estava molhando a garganta, que se aproximou.
Clara olhou para Rita e, fazendo o sinal de silêncio, a avisou que iria arrumar alguma desculpa para sair dali e passar no Posto de Guarda Florestal caso fosse necessário. Ela abriu discretamente a mochila de um deles e se assustou com o que viu: cordas, facas, algemas e tiras de tecido que pareciam ter sido rasgadas.
- Tudo bem aí Clara? Perguntou Lara ao longe. - Estamos sentindo falta de uma trilha sonora!
Clara sorriu e disse que sim. Estava apenas olhando para ver se o celular tinha dado área e beber um pouco de água.
Depois de mais ou menos uma hora, todos já estavam bem embriagados, um tanto trôpegos. Clara chamou Rita para irem buscar uns colegas que estariam esperando a uns quinze minutos dali.
Os demais apenas pediram para que, se desse, elas fossem buscar mais bebidas. Andrey foi na bolsa dele e a viu entreaberta. Deu os ombros e entregou o dinheiro para Rita e Clara comprarem mais bebidas, perguntando se não precisava ir para ajudar em algo. Elas desconversaram, disseram que já tinha muita gente e que seria bem simples, era só para garantir que os amigos delas não perdessem a trilha para chegar no lago.
Enquanto o carro ia se distanciando, Mário e Andrey sussurravam:
- Agora é a melhor hora!
- Vamos aproveitar que a chata saiu e vamos cair matando! Mas a gente faz aqui mesmo ou levamos lá para a barraca?
- Aqui pode ser também. A noite já está vindo e elas já estão muito bêbadas. Qualquer coisas elas ... no lago.
A última frase fora interrompida por um grito de comemoração de Lara, que tirara a parte de cima de sua roupa de academia, gritando:
- A chata saiu! Vamos aproveitar! Uhulll!
Mário e Andrey pareciam sérios. Saíram da lagoa seguiram em direção às mochilas, se abaixaram e pegaram o facão e a corda.
Ana notou e perguntou ao longe:
- Nossa, que cara séria é essa gente? Cara de enterro, aff...
Andrey deu um sorriso forçado quando notou que elas tinham ido para a parte funda da lagoa e completou:
- Acabou a bebida! Respondeu curto e grosso.
- Temos que fazer uma fogueira e armar uma barraca! A noite está caindo. Temos pouco tempo para não ficarmos morrendo de frio. – emendou Mário, tentando disfarçar a frustração.
- Venham, venham! Se vierem serão bem recompensados, prometemos! Gritaram as meninas, animadas, jogando o restante das peças de roupa ao longe, gargalhando.
Mário e Andrey se olhavam, visivelmente frustrados. Ficavam pensando em como tirar as meninas daquele lago. Responderam ao longe que não sabiam nadar, e que não teriam como ir lá. Logo depois, seguiram cortando alguns galhos e os amontoando desajeitadamente para a teórica fogueira.
As meninas se aproximaram um pouco mais da margem e repetiram o convite, prometendo que se chegassem perto, elas ajudariam a finalizar a aproximação deles na rocha. Elas estavam em cima de uma pedra, se insinuando e fazendo gestos provocantes para os rapazes.
Mário e Andrey trocaram olhares novamente e sorrisos maliciosos brotavam de seus lábios. Aquela distância era relativamente curta, seria o suficiente para executar o plano deles. Ademais, eles estavam começando a ver umas coisas estranha na mata. Talvez tivessem bebido demais, talvez fosse o efeito do anoitecer na vegetação diversa que cercava aquela região. Uma leve névoa começava a sair da lagoa.
Eles sorriram e deixaram o facão e a corda perto dos gravetos. Tiraram o restante da roupa e adentraram ao lago. Nadavam desengonçadamente. Ao se aproximar da pedra, começaram a se cansar e pediram ajuda. As garotas os instruíram a tentar boiar, ficando de barriga para cima, que elas iriam busca-los.
Ao boiar eles ficaram assustados. A névoa que começou esparsa começou a ficar muito densa, tanto que eles mal conseguiam ver a margem. Eles enxergaram vários vultos perambulando por lá, tendo inclusive acendido a fogueira que eles deixaram na margem. Estranharam, mas pensaram que Clara e Rita poderiam ter voltado com os outros amigos para continuarem a festa.
Logo em seguida, sentiram no pescoço e nos ombros as mãos suaves das moças, que cantarolavam uma bela canção em um idioma por eles desconhecido que lembrava muito a música cantada no violão quando se aproximaram delas. Os toques eram suaves e relaxantes, fazendo com que seus músculos relaxassem de imediato, quase que num estado de sono.
Andrey, que era mais rústico e desconfiado, tentou ficar de pé, nadando cachorrinho. Ele se assustou com a visão que tivera:
Várias pessoas encapuzadas cantavam em coro a música que as meninas murmuravam. Quando tentou avisar a Mario, sentiu a mão, que antes era levíssima tornar-se como chumbo, forçando-o para baixo d'água.
Mário estava tão relaxado que ignorou o que se passava ao seu redor. Ana olhou profundamente em seus olhos, acariciando o seu cabelo curto e com um belo sorriso o aninhou em seu seio e lhe quebrou o seu pescoço.
E foi então que o ritual de iniciação começou.
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CONTOS DE TERROR E SUSPENSE DE SÃO CIPRIANO
Short StoryDegustação: Podem ser acrescentados mais textos acaso queiram . Vários contos curtos de terror e suspense aqui presentes têm a função de introduzir o leitor ao universo fantástico que ocorre na região de São Cipriano. A ideia aqui é permitir ao leit...