Na tarde seguinte, Bianka finalizava seu último trabalho do dia. Ben, mais uma vez, já havia partido sem se despedir.
Dessa vez, o velhote ficou bastante puto comigo. Vou dar mais um tempinho pra ele esquecer da história do hospital pra tentar me reaproximar aos poucos.
Bianka organizava seu estúdio, limpando a maca onde seu cliente havia sido tatuado. A sala era toda decorada com desenhos coloridos dos mais diversos. Muitos deles feitos por Bianka; outros eram de Ben, os quais sua protegida simplesmente havia pegado sem permissão. Mas Ben gostava dos ‘furtos’ que sofria. O brilho daqueles olhos incrivelmente azuis, ao admirar cada uma daquelas gravuras, era a forma de pedido mais irrecusável de todas para o tatuador paizão.
A tatuadora solitária tinha um carinho imenso por uma das obras de Ben. Uma pirata com traços muito parecidos com os seus: longos cabelos negros amarrados com uma bandana vermelha, um tapa-olho no lado esquerdo e um azul intenso, que se destacava na órbita direita, a boca era carnuda e de um vermelho escarlate provocante, e um corpo escultural com ferimentos de batalha e roupas rasgadas. A expressão destemida e as armas em punho expressavam toda sua bravura.
Bianka insistia na ideia de que Ben havia se inspirado nela. Porém, da mesma forma que sua pupila mentia sobre o dragão barrigudo não ter nada a ver com seu mentor, este negava, de todas as formas, que a pirata fosse ela. O que Bianka não imaginava era que Ben pôde ver tal gravura cravada na pele da linda fã que ela mesma havia apresentado ao velho tatuador no Melkweg.
Poxa, Ben... Tu é foda... Deixa eu viver minha vida louca sem que tu sofra... Porra! Preciso dar um jeito de levantar o ânimo do velhote. Saudades dele, mesmo estando lado a lado todos os dias.
Bianka voava longe em seus pensamentos quando se lembrou de mais um problema para resolver. Putz! Esqueci da Santinha! A mala sem alça falou que viria me encher o saco depois que terminasse sei lá o que no GGD. Preciso de um cigarro!
A tatuadora finalizou a arrumação do estúdio e saiu à porta para fumar. Enquanto fumava, viu a noviça desengonçada chegando sobre sua bicicleta. Bianka observava tranquilamente, enquanto a menina, de cara amarrada, acorrentava seu meio de transporte em um poste do outro lado da rua.
“E aí, Santinha? Que cara é essa? Dormiu com o padre?” Bianka sorria com o cigarro na boca, enquanto Anabelle não dizia uma só palavra.
A noviça caminhava com passadas furiosas em direção à morena, encarando-a enquanto pegava algo de dentro de sua mochila onde carregava os pães para os patos. Antes que Bianka identificasse qual era o objeto sacado, a religiosa abriu o recipiente e lançou seu conteúdo contra seu rosto.
Tirando o cigarro ensopado da boca e abrindo os braços, sem entender nada, a tatuadora encarou a noviça. “Que porra é essa?!”
“Saia desse corpo que não te pertence, satanás! Você só pode estar possuída para cometer tantos atos pecaminosos e de total desrespeito!” A garota voltava a ter a sensação estranha de dores no estômago e aperto no peito.
“Pirou, Santinha? Tá louca de me jogar água na cara do nada assim?!” Se fosse um homem que tivesse feito aquilo, Bianka já teria quebrado o nariz do agressor com um soco direto de esquerda.
“Isso é água benta para lavar essa sua boca imunda! Como pode brincar com pecados tão sujos e sérios?”
“Porra! Ainda não tô entendendo nada!” Bianka estava tão surpresa com a reação explosiva e inesperada da religiosa, que tentou tragar o cigarro molhado que estava em sua mão. A morena franzia as sobrancelhas e a testa, tentando decifrar que surto de loucura a noviça estava tendo.
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Lado A Lado B - Amsterdam
RomanceAnabelle é a personificação da pureza. Há cerca de um ano, a jovem de cabelos dourados surgiu no convento holandês St. Sophie com o sonho de tornar-se freira. Para a pequena Ana, toda forma de prazer mundano é tratada como pecado mortal. Por outro l...