2. Testamento

119 9 59
                                    

*PLÁGIO É CRIME*

Filipe narrando:

   Devia ser umas 6 horas da tarde quando cheguei a casa. Deixei o meu saco de viajem na entrada e descalcei os ténis, olhei para um lado e para o outro no interior da casa e dei um grito. Gritei até ficar sem fôlego, mas bloqueei as lágrimas porque não podia e não queria chorar naquele momento. Chorar não ia adiantar de nada, além de demonstrar que não sou forte e lamentar-me não ia trazer a Hannah de volta. Subi até há casa de banho* e despi-me para tomar um duche de água fria. Ao abrir a torneira senti a água gelada escorrer no meu peito e nas minhas costas, dando-me pele de galinha cheio arrepios por todo o corpo. Senti o frio entrar dentro dos ossos, até mesmo atingir o meu coração. A circulação do sangue começou a abrandar, e passado uns minutos já a me tinha habituado à baixa temperatura da água. Fiquei por ali durante bastante tempo, perdendo-me nos meus pensamentos mais profundos.

   Pensei naquilo que muitas pessoas me têm dito ultimamente sobre o destino, em como elas dizem que ele dirige o nosso futuro. Eu não acredito que exista alguém ou algo que controle as nossas ações, afinal quem decide fazer o que eu faço sou eu e mais ninguém. Fui eu que decidi dar tempo aos sentimentos que tinha pela Hannah, e assim que tive a certeza que era ela quem eu amava, fui eu que decidi lhe comprar um colar para a pedir em casamento. Nada disso foi o destino que decidiu fazer, porque se ele realmente existisse nós viveríamos como robots e marionetas. Seríamos controlados sem ter a liberdade de escolher aquilo que queremos fazer, ou realmente escolher o que nos faz feliz. Apesar de não sermos controlados por alguma coisa, porque temos livre arbítrio de escolher o que queremos, o mais irónico é que o imprevisível acontece a todos e muitas pessoas confundem o destino com o imprevisível. Não podemos prever tudo aquilo que se passa, basta estarmos no lugar errado à hora errada e tudo pode acontecer. Às vezes o efeito é contrário e podemos estar no lugar certo na hora certa. Mas no caso da Hannah, o imprevisto veio na hora errada e ela apenas foi-se embora deste mundo para sempre. Deixou um pedaço dela na minha memória, onde a irei guardar até ser idoso. Enquanto o meu cérebro quiser, ela vai me acompanhar cada segundo da minha vida, e prometo que não vou conhecer nenhuma outra mulher além dela. Foi o único e primeiro amor e será o último, ela roubou o meu coração e esqueceu-se de o devolver antes de ir embora. A Hannah levou um bocado que falta dentro de mim, e até agora não consigo preencher esse vazio que tanto sinto falta. Sem essa parte nunca serei capaz de amar novamente. Acabei por deixar que as minhas lágrimas se misturassem com a água do duche, e ainda bem pois assim ninguém ia ver que eu estava a chorar. Mas também quem iria notar? Eu estava a viver na casa que supostamente iria ser para nós os dois e que agora só ia continuar a ser utilizada pela a única pessoa que aqui vive.

   Ainda debaixo do chuveiro, relembrando-me da Hannah e do que esta situação me estava a ensinar, ouvi a campainha tocar. Depois de fechar a torneira para sair do banho e vestir um robe, deixando o cabelo ainda molhado, fui até a janela do quarto para ver quem estava há porta. Vi uma senhora em frente à entrada que tinha uma mala preta da Channel na mão esquerda e um grande envelope castanho na mão direita, típico das mulheres que trabalham em escritórios. Ela estava bem arranjada mas o vestido preto que ela trazia era suficientemente decotado para que eu da janela visse mais do que o necessário! Retirei imediatamente os meus olhos dali porque não queria trair a Hannah em pensamentos, por isso sem mais tardar dirigi-me para a senhora que aparentava ter uns 40 e poucos anos.

   - Boa tarde, quem é a senhora?
   - Boa tarde eu chamo-me Delphine Poirier - disse com um grande sorriso - Mas estou a ver que se calhar vim na hora errada? - ela fez indicação para o meu cabelo que ainda escorria gotas de água - Eu sou notária e tenho um envelope para o senhor Filipe João Leroy...
   - Olhe espere um minuto que eu vou-me vestir e já vou abrir a porta para falarmos melhor - disse-lhe ficando pensativo durante uns segundos a olhar para ela. Era coincidência demais, mas a vida traz tantas surpresas e decepções que não seria de admirar.

[Amostra] Não te Esqueças de MimOnde histórias criam vida. Descubra agora