Lá Château-Suiça, 2019
Olhei no relógio em meu pulso esquerdo e marcavam 23:45, numa sexta feira; chuvosa e fria; em meios aos túmulos, ali eu me encontrava.
Em minha frente, erguia-se um castelo colossal. Possui três torres pontiagudas, arte barroca, alguns santos e flores ao pé da entrada. Era assustador, sobretudo porque, conforme a luz do poste refletida no espelho de uma das janelas do castelo formava um rosto horrendo que parecia me olhar.
Um calafrio se apoderou do meu corpo e, reunindo um pouco de força, disse a mim mesma que era o medo.
Balancei a cabeça e olhei em volta. Perguntei-me se era de todo modo errado admirar e achar bonito os túmulos construídos para os mortos que jazem aqui. Com medo de olhar para o castelo novamente, sentei em um túmulo perto da saída, pois, se um dia eu der de cara com a morte, quero, pelo menos, ter a chance de correr.
O silêncio absoluto que reinava foi obstruído pelo barulho maçante do motor de um carro. Com certeza era ele. Olhei no relógio e marcava 23:48. O carro (cujo barulho parecia um trator), estacionou em frente ao portão. Enfiei minhas mãos no bolso do moleton, pela súbita rajada de ar acometida.
A porta do carro se abriu e ele saiu. Usava uma calça jeans, camisa preta e um moletom vermelho aberto. Me perguntei como não sentia frio, estávamos com 3°C na Suiça e, por mais que sejamos habituados a temperaturas baixas, nem os mais insanos ficam com moletons abertos nessa época do ano.
Não percebi que estava prendendo a respiração, até o momento em que ele abriu o portão e eu pude, novamente, ficar impactada com sua beleza surreal. Caminhando lentamente até mim, pude entender o porquê tantas meninas o querem: ele é incrívelmente bonito e sexy. Seu perfume chegou até mim primeiro que ele. Tão logo, fui inebriada.
-- Pensei que não viria.
De fato, eu não viria. Mas a curiosidade falou mais alto. Ou o medo. A verdade é que nesses 4 meses de namoro, vem acontecendo coisas estranhas, que eu não entendo nada, mas ele parece compreender.
-- Eu precisava vir, Mick.
Aproximando-se um pouco mais de mim e enrolando meu fio de cabelo castanho escuro em seus dedos, soltou um suspiro alto.
-- Você é corajosa. Me esperou por quanto tempo? -- Perguntou.
-- Tempo o suficiente para admirar alguns túmulos -- respondi -- não sabia que o Chanceler Ruben Wrag estava enterrado aqui.
-- Ah, sim. Acho que nesse túmulo aqui, não é? -- Perguntou apontando para o castelo que há pouco me amedrontou.
-- Esse mesmo.
Eu estava tensa. Era a primeira vez que marcavamos encontro num cemitério e sinceramente, não era muito romântico. Ou propício para uma noite de sexo quente.
-- Mick, por que estamos aqui?
Ele sentou do meu lado e, por um breve momento, o medo passou. Fazia frio, mas me senti aquecida. Talvez fossem os sentimentos bobos de uma menina de 22 anos. Ou as famosas borboletas no estômago que eu sinto todos os dias quando estamos juntos. Me senti em casa onde eu menos queria sentir.
-- Eu tenho tantas coisas pra te falar. Não sei por onde começar.
Olhando para o céu, ele parecia perdido. E eu estava mais ainda.
-- Essa conversa tem que ser aqui mesmo? -- Perguntei, rezando para que a resposta fosse um sonoro não.
-- Sim. E eu prometo começar pelo começo. Não ocultar nenhum detalhe. Mas, antes de tudo, quero que saiba que eu não escolhi isso e que...
Pulei de susto ao ouvir o latido de um cachorro que passava em frente ao cemitério com um bebum. Mick riu.
-- Calma, eu estou aqui. -- Mick disse passando a mão por meu ombro e puxando pra si.
Aninhada em seus braços, em volta de cruzes, símbolos ocultos, névoa, frio e medo, pedi:
-- Estou pronta, Mick. Pode começar.